sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ana e eu - Encontro.

♣Victor Marques.


Uma bela manhã de sábado me acordou com o sol entrando pela janela do quarto que ficara aberta. Fui fechá-la para tentar dormir um pouco mais, mas ao me levantar, senti algo a mais na minha cama. Sim, era uma pessoa. Ao descobrir a dita cuja, vi que era uma mulher, menos mal.

A questão era, como ela veio para ali? A minha ressaca respondia a questão. Era estranho, ela era relativamente bonita, e eu estava em um estado deplorável, ainda mais se levar em consideração que a conheci em um momento de bebedeira.

Não sabia seu nome, nem sua idade e muito menos de onde era e como viera parar aqui! Mas tudo bem, isso seria respondido em breve. Ao me levantar pisei em uma embalagem de preservativo vazia, também não sabia se havia feito sexo direito. Aliás, não sabia nem se o tinha feito.

Não consegui mais dormir, fui ao banheiro para tomar um pouco de água da pia e urinar. Fui à cozinha e vi que não tinha nada para comer. Ela certamente acordaria com fome também. Revirei os bolsos de minha calça e achei o suficiente para comprar uma refeição para dois. Já que ia sair, precisaria avisá-la que voltaria em breve, mas como avisar alguém que eu não sei nem o nome?

Deixei o seguinte bilhete:

“Querida, fui comprar alguma coisa para comermos. Obrigado por ontem, foi ótimo.”

E deixei isso ao lado do travesseiro antes de sair. Quando ganhei a rua, vi um carro estacionado na porta de casa, muito estranho, eu não tinha carro. Talvez fosse dela, talvez fosse de qualquer um que não achou vaga para estacionar na rua principal.

Demorei cerca de meia hora no restaurante perto de casa, montei dois pratos generosos com lasanha, frango, alguns pasteizinhos, carne com molho madeira e um pouco de arroz, caso ela não gostasse de lasanha. Ainda sobrara o suficiente para o cigarro, ótimo.

Quando voltei, ela estava sentada na sala com uma camiseta minha, fumando um cigarro meu e assistindo a minha televisão, como se estivesse em sua própria casa.

Ela me cumprimentou com um caloroso beijo. Fiquei sem jeito de perguntar qual era o nome dela, não o era preciso, nós nunca chamamos ninguém pelo nome mesmo. Mas ela o fez, perguntou o meu.

-Victor -respondi -e o seu?

-Ana.

-Dormiu bem?- perguntei com intuito de saber como havia sido minha desenvoltura.

-Poderia dormir mais realizada.

“Vaca do caralho!” Pensei comigo.

-Comprei comida para nós.

-Ah, que bom, estou morrendo de fome e talvez não tenha dinheiro para comer.

“Alem de vaca é uma miserável do caralho”.

-Aquele carro parado na porta é seu?

-É sim, não se lembra de como chegou em casa ontem?

-Pra ser bem sincero, não, não lembro nem como conheci você.

-Acontece...

-Vou vestir alguma coisa mais confortável.

-Faça como eu, tome um banho também.

“Alem de vaca, miserável, é uma folgada do caralho”.

Entrei no quarto para pegar uma toalha e uma troca de roupa. Surpreendentemente as roupas sujas estavam em um cesto, a cama arrumada, a roupa limpa dobrada, os livros e discos na estante, os cinzeiros vazios, tudo na mais plena ordem.

A minha maior dúvida não foi como aquela bagunça ficou daquele jeito, claro que ela havia arrumado tudo, a questão era, como ela arrumou tudo tão rápido? Muito misteriosa essa mulher, mal comecei a escrever e já usei interrogações demais. Bom, resolvi parar de pensar naquilo e fui tomar meu banho calmamente.

-Tem café na geladeira, se você quiser fazer, a cafeteira está na primeira gaveta.

-Ótimo, farei um café para nós.

Ao sair do banheiro, não a vi na sala, ela estava na cozinha me esperando com uma xícara de café. Havia arrumado a cozinha também, lavou toda a louça, trocou a toalha de mesa e etc.

-Você deveria cuidar melhor da sua casa, está tudo uma zona!

-É, eu sei.

-Nada que eu não possa arrumar.

-Obrigado, mas não sei se é uma boa idéia.

-Claro que é, má idéia é morar nesse chiqueiro.

-Você mora onde?

-Com minha avó.

-Entendi.

Até que não seria ruim um pouco de arrumação, ainda mais feita por outra pessoa. Conversamos um pouco, ela fazia faculdade de psicologia, falava alemão, já morara na Bélgica e na Ucrânia e além de tudo isso, trabalhava em um excelente bar no centro da cidade. “O emprego não é dos dez mais, bêbados dão em cima de mim sempre, como você fez ontem” ela disse, mas usava a desculpa de que ajudava a pagar a faculdade e outras despesas, a avó dela cobrava aluguel!

-Bom, quer almoçar?- perguntei.

-Claro!

Fizemos uma refeição silenciosa, ambos comemos muito bem. Quebrei o silêncio:

-Quer que eu faça outro café?

-Não, eu faço.

-Eu faço, o seu é fraco.

-Tá bom então, faça você.

Fiz um café bem forte, apenas respondendo as suas pergunta, em pouco mais de cinco minutos ela sabia da minha vida inteira, também era fã de interrogações.

-Você vai sair hoje?- ela perguntou.

-Acho que não, talvez compre algumas cervejas e fique em casa.

-Ótimo, hoje é minha folga, vamos alugar uns filmes, eu levo você até o supermercado de carro e você compra alguma coisa para a janta.

-Está bem.

Não era minha idéia passar a noite com visitas, mas uma companhia feminina parecia interessante, resolvi não me opor àquilo. Ela talvez tivesse algum dinheiro para ajudar a pagar algumas cervejas.

Fizemos uma digestão preguiçosa, sentamos na sala e lá ficamos a tarde toda, sem fazer nada, a única coisa que fizemos foi lavar a louça do almoço.

-A minha folga veio bem a calhar hoje, posso passar mais uma noite com você, não sei porque, mas gostei de você.

-Obrigado, você também é legal.

A hora passou rápido , partilhávamos de vários gostos, tínhamos bastante assunto para passar alguns dias juntos. Apesar dos contatos físicos não serem dos melhores, a conversa era boa e ela era bonita.

-Bom, acho melhor irmos comprar alguma coisa para comer e pegar os filmes que você sugeriu. –propus.

-Sim, é bom mesmo.

Quando deixamos a casa, descobri um de seus defeitos, ela dirigia extremamente mal, mas chegamos vivos ao mercado.

-Quantas cervejas você toma? –perguntei.

-Umas seis. –ela me respondeu me estendendo uma nota de vinte.

-Não demoro.

Despedimo-nos com um breve beijo e lá fui eu ás compras. Comprei uma bandeja de carne moída, um litro de leite, farinha, tomates e uma caixa de cerveja com dezoito latas. Gastei mais do que deveria, esperava fazer um bom investimento com Ana.

Voltei ao carro e lá estava ela, do lado de fora, fumando um cigarro e com o som do carro muito alto, ouvia Motörhead, o que me fez gostar mais dela ainda. Ao entrar no carro trocamos mais um beijo e seguimos à locadora. Deixei os filmes ao critério dela.

Foi uma ótima idéia, ela voltou com filmes ótimos, ‘Má educação’e ‘Poderoso chefão’. Voltamos até minha casa e eu fui à cozinha para pôr a cerveja na geladeira e preparar algumas panquecas.

Jantamos e assistimos aos filmes. Tomamos mais umas cervejas e fomos dormir. Dormimos juntos, como um casal que está casado a vinte anos, apenas trocamos beijos de boa noite e dormimos abraçados, nada além disso.

Acordamos tarde no domingo, enquanto eu lavava o rosto ela arrumou a cama. Comemos as sobras do jantar, tomamos mais uma cerveja e ela disse:

-Nossa, olha a hora, preciso trabalhar.

-OK, deixe seu telefone que eu te ligo para repetirmos o programa.

-Você não precisa do meu telefone.

-Você quem sabe.

Passei o domingo solitário, assistindo os tradicionais programas de auditório e tomando as cervejas que sobraram. Nada como um domingo de paz depois daquele estranho ocorrido.

Por volta de onze horas, quando estava lendo um livro deitado na cama, pronto para dormir, a campainha toca. Tive uma surpresa ao abrir a porta, lá estava Ana, com uma mala na mão.

-Voltei.

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