quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Hombridade.

Victor Marques.

As brigas de bar eram comuns para Flávio, ninguém podia olhar pisar em seu pé, olhar muito tempo para ele, apressá-lo enquanto usava o banheiro, atrapalhar seu jogo de bilhar ou etc. Geralmente jogava sozinho, a derrota era motivo para arrumar briga.
Chegou ao bar que sempre freqüentava, onde até o dono tinha medo dele, por isso não o expulsava. Ao entrar, todos mudavam de feição, exceto os bêbados que perderam as características de seres humanos.
-Alguém quer jogar- Disse Flávio com o taco de bilhar na mão.
Por uns instantes o bar ficou em silêncio, mas um freqüentador casual aceitou a partida, não conhecia a fama de seu adversário, simplesmente achou que era um excelente jogador.
-E quanto vale a partida? Quem perder paga a conta, o que acha? – Perguntou o jovem.
-Claro, tragam um uísque para cá.
Tomou de um trago e deu a primeira tacada, sem nem perguntar se poderia começar, uma péssima tacada.
-Nem perguntou se podia começar... mas pelo jeito vai ser fácil.
-Vá se foder.
-Calma cara, é só um jogo.
Ao terminar a frase sentiu a ponta do taco em suas costelas.
-Viemos aqui pra jogar ou pra conversar?
Uma jogada excelente fez com que Flávio ficasse irritado, abriu alguns botões da camisa para que vissem todas as cicatrizes que se orgulhava de carregar no peito, logo em seguida, uma jogada péssima.
Aquilo consumia Flávio, perder não era uma opção, era preferível jogar sozinho, mas queria ver até aquilo iria, esperou e viu outra boa jogada, muito acima de sua capacidade. Pediu outro uísque.
-Pode jogar, já abri grande vantagem sobre você mesmo...
Aquilo sim o deixou irritado, segurou o taco com as duas mão e acertou no meio da cabeça de seu adversário, fazendo com que caísse de cara no pano verde da mesa, pedaços de madeira se espalharam pelo chão do bar, mas aquilo não era o suficiente, bateu mais uma vez com o pedaço de taco que ainda estava em sua mão, dessa vez, o feltro ficou com uma mancha vermelha e o sangue escorreu para a caçapa do meio.
-Viram que filho da puta, sabia que a mesa estava torta e estava se vangloriando – Esperou com que o jogador se levantasse da mesa – Viu, você é um ladrão do caralho, sabia que a mesa estava torta!
-Mas eu não acertei nenhuma bola nessa caçapa.
-Então você quer discutir! É machão! – Atirou-lhe uma bola que acertou em seu nariz e o derrubou na hora.
Foi até o corpo que parecia mais uma massa amorfa do que uma pessoa, o sangue escorria de seu nariz e no chão alguns dentes boiavam na poça de sangue ao lado. Flávio foi até o balcão, jogou uma nota de dez para pagar tudo o que havia consumido e antes de sair, jogou uma ponta de cigarro em um dos machucados do homem que acabara de espancar, cujo nome não se dera ao trabalho de perguntar.
-Para mim, você vale menos que uma bituca de cigarro.
Os observadores não se manifestaram, os que não estavam acostumados com aquilo ficaram chocados demais.
Saiu pela rua escura e caminhou até sua casa, tirou a camisa e foi até a cozinha, abriu uma cerveja e tomou rapidamente, fumou um cigarro e subiu a escada que dava para seu quarto.
Na cama, sua mulher lia uma revista de fofocas.
-Não ta com sono, amor?
-Cala a boca, seu bêbado.
-Desculpa... Espere, o que é isso aqui – Puxou uma cueca que sabia que não era sua que estava ao lado do criado mudo.
-É sua, parece trouxa.
-Não, eu tenho certeza que não é minha – Disse em tom sereno.
-E se não for, vai fazer o que? O mesmo que faz com seus amigos de bar?
-É, talvez seja minha mesmo.
-Tá vendo, idiota, não enche o meu saco, quero ler.
Flávio se virou de costas para a mulher, acendeu um cigarro e chorou.