quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Ana e eu - Divórcio.

Victor Marques.

Após um mês de convivência eu percebi que a tampa da privada sempre estava abaixada, as cervejas estavam acabando mais rápido do que o previsto, eu não via mais ninguém além de Ana, estava pagando o preço do “casamento”.

Um dia vi que esse preço era alto demais. Aquela foi a gota d´água, não ficava tão possesso desde que um mendigo cagou na porta de casa. Um maço de cigarros meu havia desaparecido, aquilo sim era revoltante! Precisava ter uma conversa séria com Ana.

Aquela era a sexta feira que marcava um mês de nossa vida conjugal. O dia se arrastou, não via a hora de ela chegar em casa para que tivéssemos uma briga homérica. Sim, eu realmente desejava brigar. Não consegui pensar em outra coisa, nem em minhas aulas conseguia me concentrar, me peguei dando um exercício que a frase a ser analisada era “Ana roubou meu maço de cigarros.” O mais estranho foi que dei essa frase para uma criança de nove anos de idade.

Cheguei em casa mais tarde do que o habitual, fui dar umas aulas de redação para uma mulher de trinta e cinco anos que ia prestar vestibular para física. Ela era muito gostosa, o que só fui descobrir na segunda aula, naquela sexta feira só conseguia pensar no meu maço de cigarros extraviado.

Estava atordoado, sentei-me na cozinha, abri um litro de uísque que estava guardando para uma ocasião especial. Tomei um quarto da garrafa em menos de uma hora. Ela tocou a campainha, estava acompanhada de uma amiga que eu nem notei.

-Você pegou um maço de cigarros que era meu!

-Peguei... Por quê?

-Era meu, porra, você que compre os seus.

-Foi só um maço de cigarros.

-Foi um maço de cigarros hoje, amanhã será outro, depois outro! Não sabia que você me ajudava a pagar pelos cigarros também.

-Filho de uma puta, quando vim morar aqui, isso parecia um chiqueiro, devia de me agradecer por não viver mais como um porco.

-Você que deveria me agradecer, a merda da casa é minha, você não tinha nem merda para tirar do seu cu quando veio morar aqui!

-Vai jogar na minha cara?

Só aí que notei a amiga dela estava sentada no sofá assistindo a tudo aquilo de camarote, horrorizada. Ela não conseguia piscar. Tinha uns vinte e cinco anos e parecia nunca ter visto homem nenhum naquele estado de cólera, ainda mais por um maço de cigarros.

-Boa noite pra você, se quiser, tem cerveja na geladeira. –Disse para a amiga dela.

-Aproveite e pegue uma para mim.

Ela foi e eu continuei a briga com Ana.

-É o maço de cigarros, a tampa da privada, toda aquela quinquilharia no meu banheiro, as suas calcinhas no box, todas essas coisas me irritam, mas que porra!

-Você é um grande filho da puta!

-Pois eu acho que é você. –Disse sarcasticamente.

A amiga retornou a sala com dois copos de cerveja bem cheios e me entregou um deles. Estava com o medo estampado na cara, mas esboçava uma risada amarela, tentando entender tudo aquilo.

-Me desculpe, nem perguntei seu nome?

-Carolina, mas pode me chamar de Carol.

-Ah sim, me chamo Victor, mas por me chamar de Agnaldo.

Era visível a minha irritação, voltei-me à Ana, que estava com o rosto vermelho de ódio.

-Ela é minha irmã, ela veio aqui para conhecer você.

-Pau no cu dela! Ela que viesse num momento melhor.

-Agora chega!

-Eu que o diga. CHEGA. –Atirei o copo na parede, coisas que aprendi com uns amigos meus

Não se falou mais nada durante alguns instantes, até que ela tirou o maço da bolsa e jogou no meu colo.

-Pode ficar, para você se lembrar dos nossos últimos momentos juntos. –Devolvi o maço a ela.

-Então acabou?

-Creio que sim, pelo menos por enquanto.

Fui até a cozinha tomar uma cerveja, ela foi ao quarto arrumar suas coisas, disse que depois passaria para pegar o resto, eu insisti para que levasse tudo de uma vez.

E lá se foram as duas, cantando pneus pela rua, como se tivessem pressa de sair depressa dali.

Fui até a calçada e achei o maço de cigarros no chão, amassado pelos pneus do carro.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sinuca de bico

♠ Rodrigo Bersogli

- Ei, Marcão... É sua vez!

Bola seis, caçapa do meio.

- Pois é, Edinho... Como eu ia dizendo, as coisas não andam bem lá em casa. Nem um pouco, cara. Tá foda.

Bola onze, caçapa da ponta.

- Mas então, bicho... O que é que tá pegando? O que tá rolando na sua casa, rapaz?

Bola quatro, ficou na boca. Aproveitou e puxou um cigarro.

- As coisas estão enroladas por lá, cara. Tô que nem quero aparecer de cara limpa hoje, para não fazer merda.

Bola sete, direto na caçapa do canto. Deu uma golada na cerveja.

- Ih, cara... Mas diz aí, qual é o galho? Tu tá com uma cara péssima...

Bola dois grudou na lateral da mesa. Encheu o copo de cerveja rápido, deixando colarinho.

- É a Rosana, Edinho. É a Rosana...

Bola cinco tirou a quatro da boca. Acabou com a cerveja numa longa golada e acendeu um cigarro vagabundo.

- Porra cara, a Rosana? Mas o que é que ela tem, chapa? Tá mal?

Bola quatro empurrou a cinco mas não ficou nem perto da caçapa. Tragada forte no cigarro, outro copo de cerveja cheio de espuma.

- A sacana tá me passando pra trás, bicho. Tô levando bola nas costas.

Paulada na bola cinco, direto na boca. O barulho fez ambos olharem para a mesa, e Edinho encheu o copo de Marcão, depois de apagar a bituca que acabara de jogar no chão com a sola do sapato.

- Cara... Meu, vamos com calma. O que você tá falando é muito sério, Marcão. Eu não a conheço, mas pelo que você sempre fala a Rosana não parece ser mulher disso. E o que te faz achar uma coisa dessas?

Quatro de volta na boca, que agora estava livre.

- Sei não, Edinho... Sei não. Tô com um pé atrás com ela há um tempo, mas agora eu tô ainda mais encucado. Pra você ver... Você sabe que eu jogo bola de quinta-feira, não é? Pois então. Toda quinta quando eu chego de quadra, a Rosana tá deitada. Mas não tem banho no mundo que tire o cheiro do perfume dela, eu conheço bem aquele cheirinho, nego. Ah, se conheço! E ela tá sempre acabada, morta de sono... Agora, vê se não tenho razão: Se ela não saiu de casa, como pode estar com o cheiro, mesmo que de leve, do maldito perfume?

Bola três empurra a dois pra lateral. Outro cigaro é aceso, outra cerveja é aberta.

- Ah cara... É, isso é complicado mesmo... Mas sei lá, de repente ela aproveita que você não tá lá cedo na quinta para fazer algo para ela, oras... E outra, tu não bebe quando sai da quadra? Vai ver ela tá como sempre, mas você fica encanado por causa do gole... Além do mais, porque só agora você tá preocupado com isso? Sei que você joga seu futebolzinho faz tempo...

Edinho tenta derrubar a quatro, mas erra. Acende outro cigarro e pede um conhaque, oferecendo imediatamente para Marcão, que vira numa golada só fazendo uma bizarra careta:

- Valeu, cara. Desculpe te encher com esse história, mas precisava conversar com alguém e você é o único lá da firma que eu posso bater esse tipo de papo.

Bola treze passa longe da caçapa. Com uma nota de um real, Marcão coloca 'Azul da Cor do Mar' de Tim Maia e 'I Just Can't Stop Loving You', de Michael Jackson na hipnótica jukebox, com suas luzinhas e pisca-piscas.

- Relaxa, somos camaradas... Estamos aí pra isso. Mas diz pra mim, o que te levou a pensar nisso agora?

Finalmente, bola quatro cai na caçada do canto. Edinho pede mais dois conhaques e outra cerveja.

- Então, cara... A Rosana sempre foi carinhosa comigo, mas do jeito dela. Sabe como é, né? Faz charme mas, no fundo, gosta de me agradar. O problema agora é que ela tá estranha comigo todo dia, meio fria, sei lá... Mas às quintas pela manhã, justo às quintas, ela fica um amor. Um doce, como se estivesse de consciência pesada, não sei. Mas é só passar a quinta e volta tudo ao normal, bicho.

Bola três para no meio da mesa, depois de uma tabela mal sucedida. Marcão e Edinho viram seus respectivos conhaques e enchem os copos com cerveja.

- Porra, cara. Não acho que isso seja motivo... Toda mulher tem suas fases, suas frescuras. Às vezes ela tá puta com alguma coisa, ou preocupada, ou mesmo cansada... Mulher é foda, você sabe.

Bola dois fica na boca do canto. Edinho faz Marcão virar o conhaque, mas toma o seu devagar, alternando com a cerveja.

- Sim, eu sei... Mas tem mais uma coisa, cara. Eu achei isto atrás do criado-mudo.

Então, Marcão exibe um isqueiro azul, pequeno. Bic. Pede outro conhaque, dessa vez com limão. Vira de uma vez, mais rápido e mais leve que os outros, e acende outro cigarro com extrema velocidade.

- Ué, mas o que tem demais? É só um isqueiro, cara. Eu mesmo já achei tantos em casa...

- Malandro, acorda: A Rosana não fuma. Só EU fumo em casa, e nunca tive ESSE isqueiro! Tá entendendo o que eu tô dizendo? Essa porra não é minha!

Vendo que Marcão estava visivelmente alterado e nervoso, Edinho pediu outro conhaque para ele. À essa altura, o bar já estava quase vazio, e os bêbados que permaneciam por lá pareciam parte da pitoresca decoração. Talvez alguns estivessem sentados lá, naquelas mesmos esquálidos banquinhos, desde antes do bar existir, porém não sabiam. E muito provavelmente continuariam lá, velando e serrando o gole alheio mesmo depois do bar falir. Eram como o balcão, as garrafas, as mesas de sinuca: Patrimônio do local, e eram tão impassíveis quantos os referidos móveis. O que os diferenciava da jukebox eram as luzes, a capacidade musical e o fato da jukebox ter mais moedas dentro dela naquele momento do que a maioria daqueles zumbis funcionais tiveram em toda a sua pseudo-vida.

Edinho tomou seu copo de cerveja, já nem tão gelado quanto antes.

- Marcão, Marcão... Vamos com calma, cara. Será que nenhuma amiga dela deu uma passada por lá e esqueceu?

Bola dois, caçapa do canto. Na sequência, doze cai no meio. Outra cerveja para ele, outro conhaque para Marcão, outros cigarros para ambos.

- Amiga é o caralho, porra! Eu tô levando galho, eu sei. Tô falando, cara. E vou te falar uma coisa: Eu mato aquela ingrata filha da puta! Tá me entendendo? Eu mato!

Virou o conhaque como se fosse cerveja. Empurrou a quinze para o outro lado da mesa, mas não derrubou nada, nem defendeu. Mais um real na jukebox, agora para tocar 'Carolina' de Jorge Ben Jor e 'How deep is your love?', do Bee Gees.

- Calma, cara! Assim você só piora as coisas. Tem é que ter certeza da situação antes de mais nada. Porque você não falta ao futebol na quinta e fica à espreita, de tocaia, para ver o que é que tá acontecendo de verdade? É melhor do que tomar uma atitude precipitada, cara. Se precisar, eu fico contigo nessa arapuca, a gente vê que merda dá.

Bola oito cai lenta e caprichosamente no canto. Edinho oferece uma vodka ao amigo, que toma sem pestanejar nem questionar, já trôpego e ofegante.

- Porra, Edinho! Tá falando sério, cara? Tu faria isso comigo? Hic!

Marcão tenta acertar a bola treze, sem sucesso. Mal consegue permanecer em pé sem cambalear.

- Calma, Marcão! É claro que eu fico ao teu lado nessa, cara. Mas acho que por hoje já deu, hein? Você já tá no grau, amigo. Eu vou dar uma mijada; me espera aí para irmos embora. Tá tarde e você já bebeu demais por uma noite, chapa. Tenta ficar aí na cadeira sem cair até eu voltar, hein?

Marcão mexeu a cabeça positivamente, porém sem muita coordenação. Edinho foi ao banheiro e, em frente ao mictório, se sentiu aliviado em todos os sentidos. Ao virar para trás, logo após fechar o zíper, se deparou com Marcão na porta do banheiro. Exalava álcool por todos os poros e tinha os olhos vermelhos, marejados. Fitou o ambiente com uma calma gélida para um homem em sua situação e foi desenfreadamente em direção ao amigo, dando-lhe um pesado e forte abraço. Edinho ainda tentou balbuciar que era melhor já irem embora, mas não conseguiu terminar a frase porque Marcão o interrompou, com os lábios colados em sua orelha:

- Eu sei que foi você, filho da puta.

Ao terminar essas palavras, ditas quase como sussuros, Edinho sentiu a lâmina penetrando suas entranhas uma, duas, três vezes. Não soube precisar se houveram novas investidas, pois a partir daí, não sentiu mais nada. Sua única reação foi estender a mão em direção à Marcão, numa vã tentativa de reaver seu isqueiro perdido.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ana e eu – Vida conjugal

Victor Marques.


Sinceramente não entendia porque ela havia voltado, nem eu, que era o dono da casa achava o ambiente muito agradável. Mas pensando pelo lado otimista, talvez fosse bom partilhar meu tempo livre com uma mulher, Ana era uma boa mulher.

Quando abri a porta para ela entrar com aquela mala de roupas, fiquei embasbacado, não consegui pronunciar palavra alguma, apenas a ouvi dizendo:

-Faça o favor de ajudar a tirar as coisas do carro, acha que a minha mudança é só uma mala de roupas?

-Ah sim, pode deixar.

Quando abri o porta-malas fiquei chocado da quantidade de coisas que estavam ali, metodicamente dispostas. Uma televisão pequena, um rádio portátil, utensílios domésticos, um pouco de comida, uma coleção de garrafas de cerveja vazias, roupas, uma arara desmontada... Parecia que pretendia ficar um tempo por aqui.

Fiz cerca de cinco viagens para tirar tudo do carro. Quando entrei na sala, ela estava sentada no sofá, sua cara não era das melhores. Resolvi perguntar porque resolvera mudar para a minha casa, quanto tempo gostaria de ficar, se ajudaria nas despesas domésticas e etc.

-Olha...

Ela me interrompeu num choro convulsivo, fora expulsa da casa de sua avó, não tinha a quem recorrer e pensou em mim. Depois de ouvir tudo aquilo, fui incapaz de perguntar qualquer coisa, minha única reação foi lhe oferecer uma cerveja.

A única coisa que consegui perguntar foi se ela gostaria que eu dormisse na sala, a idéia não foi muito bem vista, dividimos a cama num sono profundo, sabendo que uma manhã de segunda feira nos aguardava.

Acordei por volta de dez horas, ela já estava acordada, fazendo o nosso café da manhã. Quando me sentei à mesa, ela estava refeita, estava com uma cara ótima, acho que foi porque não restringi sua estada em minha casa. Achei que o momento era bom para perguntas.

-Então... Quanto tempo pretende ficar?

-Não sei, mas se você quiser que eu saia, por mim tudo bem.

-Pode ficar, gosto de você.

-Ótimo, pretendo ajudar nas despesas da casa também.

-Isso é bom, não posso sustentar mais um aqui.

Ela acabou de tomar seu café e foi tomar um banho, precisava sair para trabalhar. Não se demorou muito e quando saiu do banheiro, estava muito bonita, de uma maneira que nunca havia observado.

Despedimo-nos com beijinhos de bom dia e ela se foi em seu carro para o bar onde trabalhava. Resolvi tomar um banho também. Quando entrei no banheiro, quase caí, havia um arsenal de xampus, condicionadores e maquiagem. Precisava aprender a conviver com tudo aquilo.

O dia passou rapidamente, dei duas aulas particulares depois do almoço, parei em uma padaria para tomar uma cerveja no fim da tarde, comprei uma edição de bolso de ‘A Peste’ e rumei de volta para casa.

Por um instante esqueci que tinha uma nova hóspede e me pus de cueca na sala para assistir um pouco de televisão e tomar uma cerveja. Relaxei a tal ponto que adormeci ali mesmo por uns instantes, até que a campainha me acordou, era ela.

-Você poderia me providenciar uma chave, já que estou dividindo a casa com você.

-Não sei, nunca chego depois de você.

-É, assim não me preocupo em perder a chave.

-É, pegue uma cerveja na geladeira se quiser.

-Claro, meu amor.

-Amor?

-Por que não?

-É, por que não?

Precisava me acostumar com aquilo também.

Bebemos uma cerveja, trocamos perguntas cotidianas, e as duas da manhã ela resolveu dormir.

-Vá lá, vou ler um pouco.

-Tudo bem, te espero na cama.

Li até três horas da manhã e fui para o quarto, quando entrei, ela ainda estava acordada, estava me esperando.

-Queria te dar um beijo de boa noite –ela disse.

-Tudo bem, boa noite.

Naquela noite eu não pretendia dormir muito tarde, mas quando me dei conta, estávamos envolvidos em uma foda louca que durou até as seis da manhã do dia seguinte, quando o sol começou a nos espiar trepando.

Depois de dormir algumas poucas horas, fui acordado pelo som do rádio, fiquei com raiva, mas pelo menos era uma música que me agradava. Fui à cozinha e lá estava ela, de calcinha e camiseta preparando alguma coisa para o almoço.

-Bom dia, amor.

-Bom dia.

-Carne ou frango?

-Carne.

Ao fim de uma semana parecíamos casados. Casados... Isso definitivamente me assustava! Como poderia levar uma vida conjugal sem reclamar, sem ver problema nenhuma naquilo?

Fui levando aquilo tudo numa boa, não recebia mais amigos para casa, não fumava mais na cama, não lia até três horas da manhã. Estava me adaptando a vida a dois.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Eles Estão Enganando Você

♦ Rafael S.M.F.

Eu não estava me sentindo muito bem, provavelmente por que meu remédio tinha acabado. Eles sempre acabam muito rápido quando caem no ralo. Eu precisava sair e comprar mais, mas estava chovendo muito e, depois que eu assisti o Mágico de Oz, passei a ter medo de me molhar e derreter, assim como aquela bruxa verde. Coitada.
Fiquei na janela observando as pessoas na rua. Acho que elas também tinham medo de derreter, pois corriam muito para não se molhar. Especialmente as mulheres, parecia que elas tinham muito medo que o cabelo - ou até mesmo a cabeça inteira - desmanchasse na água.

Estava lá, entretido com as pessoas, quando o telefone tocou fazendo aquele som estranho que parece um grilo espacial. Meu filho me comprou esse telefone há uns tempos atrás. É muito moderno, mas demorei apenas seis meses para aprender a ligar ele, apertando o botão.
Apertei.

– Alô?
– Boa tarde, com quem eu falo?
Era uma voz de mulher.
– Comigo – respondi – E eu estou falando com você.
– Bem, meu nome é Catarina, e sou do...
– Não conheço nenhuma Catarina, então você não me ligou, até logo.
Desliguei.

Fui até o banheiro fazer um lanche, mas a comida tinha acabado. Sentei no vaso e fiquei pensando no que fazer, quando o telefone tocou novamente.
Fui até a sala, peguei o telefone e apertei o botão.

– Alô?
– Boa tarde, com quem eu falo?
Era uma voz de homem.
– Comigo – respondi.
– Bem aqui é do Jornal Folha de São Paulo e consta no nosso sistema que o senhor Luiz não pagou as três ultimas prestações da assinatura, ele está?
– Eu não leio jornal, até logo.
Desliguei e sentei no sofá.

Peguei o jornal ao meu lado e comecei a ler. Não entendia nada daquilo, mas as fotos eram muito divertidas.

Então o telefone tocou novamente.
Fui até a cozinha e abri a geladeira, mas lembrei que o telefone estava na sala. Voltei e atendi.

– Alô?
– Oi pai, tudo bem?
– Oi Ricardo, como vai filho?
– Vou bem, e por aí?
– As coisas vão mal por aqui, acabou a comida e eu não posso sair na chuva se não vou derreter.
– Pai, o senhor não tomou seus remédios de novo?
– Não, eles acabaram quando joguei no ralo.
– Cacete pai! Vou aí levar pro senhor, até logo.
Desligou.

Naquele momento fiquei irritado por ser interrompido o tempo todo e tirei o telefone da tomada. Voltei a sentar no sofá e abri o jornal, mas – para meu espanto – o telefone voltou a tocar, mesmo com o fio desligado. Fui até ele e atendi.

– Não leia o jornal, eles estão enganando você – a voz disse.
– Obrigado por avisar – Respondi.
Desliguei.

Peguei o jornal, rasguei e joguei no lixo do banheiro. Fiquei pensando no que fazer e resolvi ligar a tv. Havia um casal estranho brigando, gritavam muito. Uma mulher ficava sentada no meio com um microfone olhando com cara de idiota, não consegui entender o que era aquilo. Então o telefone tocou novamente. Atendi.

– Eles também estão enganando estão você – A voz disse.
– Obrigado, de novo.
– Por nada – a voz respondeu.
Desliguei.

Peguei a TV, levantei até a altura da minha cabeça e a joguei no chão. Ela espatifou fazendo um barulho terrível.
Decidi fazer um café. Fui até a cozinha, liguei o fogão e coloquei a água no fogo, mas ele apagou. Achei melhor procurar uma chaleira, mas o telefone tocou novamente.
Eu já estava muito irritado e não quis ir até a sala, então peguei uma banana que estava em cima da mesa.

– Alô? – Eu disse.
– A morte vai te buscar hoje – a voz disse.
– Sério, sem nem avisar antes?
– Estou avisando agora.
– Obrigado pela atenção – Eu disse.

Então, a campainha tocou. Não imaginei que ela viria tão rápido. Desliguei a banana e fui até o quarto, mas não tinha ninguém lá. Demorei alguns minutos até lembrar que ela só poderia estar na porta da rua, pois era lá que ficava a campainha.

Abri a porta com medo, mas era apenas o meu filho. Felizmente a chuva já havia acabado e ele não derreteu nem um pouco. Ele me entregou uma sacolinha da farmácia e entrou. Parecia estar muito bravo.

– Caramba pai! Você sabe que não pode ficar sem tomar esse remédio, porque você sempre joga fora? ­– Ele gritou.
– Não sei, não me sinto bem quando tomo ele, não acho que seja saudável.

Ele sentou no sofá e viu a televisão quebrada em cima do tapete. Começou a gritar mais alto.

– O que aconteceu com a televisão??!
– Eles estavam me enganando, então eu quebrei. – Respondi.

Colocou as mãos sobre o rosto, parecia preocupado e muito chateado.

– Enganando como? – Perguntou.
– Enganando mentindo, ué. A voz do telefone que me disse.

Olhou para o telefone e viu o fio desligado. Pareceu muito assustado quando viu isso.

– Meu Deus! Pai, acho que você está muito mal, vamos ao médico hoje, por favor!
– Não precisa filho, estou me sentindo ótimo. Acho que vou morrer hoje.
– O que??
– É, acho que vou morrer hoje, a voz do telefone disse que a morte viria me buscar.
– Que voz do telefone?
– Bem... Na verdade foi a voz na banana.
– Ok pai, vamos fazer assim. Toma o remédio e eu passo a noite aqui, com você.
– Tudo bem, filho...

Ele parecia muito preocupado e abatido, então achei melhor concordar. Fui até a cozinha, peguei um copo com água e tomei o remédio. Ele me observou calado. Parecia satisfeito.

– Que bom pai, assim você vai se sentir bem melhor, você vai ver. Agora eu vou ali no banheiro e já volto.
Levantou e foi.

Cuspi o comprimido na pia da cozinha, joguei o resto no lixo. Se os jornais e a tv me enganavam, por que as farmácias não me enganariam também?
Subitamente me veio a idéia que meu filho também mentia pra mim. Por que ele queria que eu tomasse esses remédios que faziam eu me sentir tão estranho? Para que eu ficasse dopado e aceitasse tudo que dissessem! Com certeza! Lembro que começaram a me dar esses remédios quando passei a desconfiar que o carteiro me espiava enquanto eu tomava banho!
Então, o telefone tocou novamente, como estava na cozinha, atendi a banana, pois ela estava mais perto.

– Você tem toda a razão – A voz disse.
– Eu sabia! Bando de canalhas!
– E não esqueça que você vai morrer.
– Eu sei, todo mundo morre – Retruquei.
– Mas você vai morrer hoje.
– Hoje? Sabe em quanto tempo?

– Logo logo – Respondeu.
Desligou, na mina cara. Filho da puta.

Comi a banana.

Então ouvi o barulho da descarga. Fui até a sala e olhei meu filho saindo do banheiro.


– Você também está me enganando!! – Gritei.
– O Que? ­­- Ele perguntou, fingindo que não sabia de nada, mas sua cara de espanto mostrava que eu estava certo.
– Seu cínico! Vocês todos estão me enganando! Saia daqui já! Volte lá pra sua corja!

Peguei ele pelo braço e empurrei para a rua. Observei rapidamente ele caindo na calçada e tranquei a porta.

Logo ele começou a gritar e bater na porta. Mas ignorei, estava muito chateado com ele.


Subi para o meu quarto, abri a janela para respirar um pouco pior e percebi que havia um pombo andando no umbral.
O olhar terrivelmente ameaçador do pombo deixou bem claro que aquela era a Morte, e estava ali para me levar embora. Um frio subiu minha espinha e falei com o pombo.

“Pombo terrível e impiedoso, que está aí, a ciscar, sei que és a morte, e veio me buscar. Procure algo mais valioso , porque não vai passear? Me deixe aqui e vá assombrar outros umbrais”
E o pombo respondeu “Nunca mais!”

“Pombo, estou tão cheio de vida, não é hora da minha partida. Por que não vai visitar os moribundos nos hospitais, ou os fetos nos esgotos, boiando nos canais?”
E o pombo respondeu “Nunca mais!”.

“Pombo,pássaro malévolo, se esse é o meu fim, nada posso fazer. Mas talvez isso você possa me dizer, por que a morte é você, entre tantos outros animais, que são mais legais?”E o pombo respondeu: “Mas você é chato pra caralho hein!” .
E saiu voando.


Tudo aquilo me deixou muito cansado. Fechei a janela e coloquei meu pijama, já estava na hora de dormir.
Deitei no tapete e me cobri com a cortina. Estava tudo muito confortável.
Agora havia mais alguma pessoa batendo na porta, junto com meu filho. Logo seriam vários. Bando de mentirosos. Já sabia o que iria acontecer, eles iam me segurar e me dar alguma injeção, aí eu acordaria amarrado em uma cama. Começaria a me debater pra sair, então viria uma enfermeira e me daria outra injeção. Só iriam parar quando eu concordasse com tudo que eles dissessem. Por que me tratam assim? Só porque eu sei que eles mentem?
Eles precisam fazer isso? Eu só quero um pouco de paz.

Comecei a me sentir muito triste e decidi não pensar nisso.
Virei para o lado, fechei os olhos, soltei um longo suspiro e morri.
­

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

UTI

♠ Rodrigo Bersogli

Rita estava cansada. A palidez de seu rosto contrastava com o quarto lúgubre, mergulhado num silêncio sepulcral. Aliás, sepulcral era a palavra que melhor definia o ambiente: Vivendo naquele quarto ela se sentia encerrada em um mausoléu do qual não podia fugir. Conectada a aparelhos, ela não conseguiria ir muito longe.

Ela mal podia se recordar de quanto tempo estava ali. Muito menos conseguia imaginar quando sairia de vez. Horas, dias, semanas, meses, anos... Que diferença fazia? O mundo lá fora já tinha aprendido a viver sem ela. E cada vez mais ela se sentia distante desse tal mundo. Será que ele existia mesmo?

Ligada a aparelhos o tempo todo, ficava difícil saber o que era real e o que era ilusão. Tudo o que sabia eram as notícias que lia, e a cada dia que passava acreditava menos nelas. Se ela não podia ver pessoalmente tudo o que noticiavam, como teria a certeza de que aquilo era factível? Rita havia perdido a capacidade de acreditar na maioria das coisas. Principalmente porque essas coisas eram escritas por pessoas. E se havia algo em que ela definitivamente não acreditava era nas pessoas.

No começo, ainda recebia visitas de amigos. Não eram raras às vezes em que pessoas iam até ela para conversar e tentar reavivar o ânimo de antes, mas era sempre em vão. Rita não se empolgava com a companhia dos outrora amigos, e eles se afastaram dela gradativamente. Aos poucos sobrou apenas sua mãe, que preparava sua comida e cuidava de suas coisas. Mas nem mesmo a genitora suportava mais aquela situação, e seus acessos de raiva eram tão comuns quanto seus surtos de impassibilidade. O estado semi-letárgico de Rita foi deixando até sua própria mãe distante. Algo inevitável face à situação.

Rita olhou para o calendário. Era sábado e a temperatura estava agradável. Malditos aparelhos! Porque ela não podia simplesmente se livrar de tudo aquilo e sair correndo para a rua, andar no parque, comer besteiras, encontrar os antigos amigos, escolher roupas... Mas olhou para sua frente e encarou a fria, sólida e eletrônica realidade: vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana os equipamentos ficavam ligados, piscando, olhando para ela. Aquela máquina era seu capataz. Mas, como Zumbi, ela queria fugir daquela senzala e fundar seus quilombos em terras mais ensolaradas.

Não suportava mais a clausura. Sentia-se sufocada, presa. O tique-taque do relógio soava como passos em marcha, pesados, militares, inabaláveis. E vinham para pegá-la, cruéis soldados do exército do Tempo que não poupavam vidas pelo caminho, tampouco demonstravam piedade com seus prisioneiros. Condenados, sempre. O que significava a vida se não enfrentássemos cada soldado-minuto dessa guerra? O que ela queria mesmo era sair dali. Precisava experimentar o mundo lá fora novamente, mesmo sem saber o que iria encontrar, nem se iria sobreviver. Mas estava farta e sentiu que aquela era a hora de dar um ponto final naquilo, mesmo que o ponto final não desse margem a um novo parágrafo.

Levantou-se com certa dificuldade, pois suas costas há muito doíam e incomodavam. Respirou fundo o ar carregado e quente do quarto e fitou os equipamentos: Máquinas vorazes, e por um breve momento Rita não tinha mais certeza se aqueles aparelhos tinham mantido-a viva ou a fizeram morrer lentamente. Era exatamente isso que ela queria descobrir. Então puxou o primeiro fio. Depois, o segundo. Arrancou todos os cabos com extrema vivacidade. Estranhamente se sentiu mais leve, solta. Empolgou-se, foi desplugando tudo e, como se não houvesse amanhã, atirou com violência os equipamentos ao chão. Era como se estivesse possuída, mas ela se sentia de maneira oposta: Livre, totalmente livre, como se a possessão, de fato, fosse ter ficado presa aos aparelhos. Sentiu-se exorcizada e continuou arremessando os equipamentos ao chão, até quebrar peça por peça. Depois, abriu a porta do quarto e saiu correndo.

Sua mãe, que tinha ouvido o escândalo da quebradeira, dirigiu-se aflita ao quarto e mal conseguiu reagir quando viu Rita passar correndo por ela, parar no corredor, voltar, dar-lhe um sonoro e estalado beijo na maçã esquerda do rosto e continuar sua carreira inabalável em direção à rua. Sua surpresa só foi maior quando entrou no quarto e viu, espalhados pelo chão e destruídos, os malditos aparelhos que haviam feito sua filha refém por tanto tempo: Monitor, teclado, modem, CPU, mouse e toda a sorte de parafernálias de informática.

Definitivamente, uma UTI.: Utopia Tecnológica Isolacionista

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ana e eu - Encontro.

♣Victor Marques.


Uma bela manhã de sábado me acordou com o sol entrando pela janela do quarto que ficara aberta. Fui fechá-la para tentar dormir um pouco mais, mas ao me levantar, senti algo a mais na minha cama. Sim, era uma pessoa. Ao descobrir a dita cuja, vi que era uma mulher, menos mal.

A questão era, como ela veio para ali? A minha ressaca respondia a questão. Era estranho, ela era relativamente bonita, e eu estava em um estado deplorável, ainda mais se levar em consideração que a conheci em um momento de bebedeira.

Não sabia seu nome, nem sua idade e muito menos de onde era e como viera parar aqui! Mas tudo bem, isso seria respondido em breve. Ao me levantar pisei em uma embalagem de preservativo vazia, também não sabia se havia feito sexo direito. Aliás, não sabia nem se o tinha feito.

Não consegui mais dormir, fui ao banheiro para tomar um pouco de água da pia e urinar. Fui à cozinha e vi que não tinha nada para comer. Ela certamente acordaria com fome também. Revirei os bolsos de minha calça e achei o suficiente para comprar uma refeição para dois. Já que ia sair, precisaria avisá-la que voltaria em breve, mas como avisar alguém que eu não sei nem o nome?

Deixei o seguinte bilhete:

“Querida, fui comprar alguma coisa para comermos. Obrigado por ontem, foi ótimo.”

E deixei isso ao lado do travesseiro antes de sair. Quando ganhei a rua, vi um carro estacionado na porta de casa, muito estranho, eu não tinha carro. Talvez fosse dela, talvez fosse de qualquer um que não achou vaga para estacionar na rua principal.

Demorei cerca de meia hora no restaurante perto de casa, montei dois pratos generosos com lasanha, frango, alguns pasteizinhos, carne com molho madeira e um pouco de arroz, caso ela não gostasse de lasanha. Ainda sobrara o suficiente para o cigarro, ótimo.

Quando voltei, ela estava sentada na sala com uma camiseta minha, fumando um cigarro meu e assistindo a minha televisão, como se estivesse em sua própria casa.

Ela me cumprimentou com um caloroso beijo. Fiquei sem jeito de perguntar qual era o nome dela, não o era preciso, nós nunca chamamos ninguém pelo nome mesmo. Mas ela o fez, perguntou o meu.

-Victor -respondi -e o seu?

-Ana.

-Dormiu bem?- perguntei com intuito de saber como havia sido minha desenvoltura.

-Poderia dormir mais realizada.

“Vaca do caralho!” Pensei comigo.

-Comprei comida para nós.

-Ah, que bom, estou morrendo de fome e talvez não tenha dinheiro para comer.

“Alem de vaca é uma miserável do caralho”.

-Aquele carro parado na porta é seu?

-É sim, não se lembra de como chegou em casa ontem?

-Pra ser bem sincero, não, não lembro nem como conheci você.

-Acontece...

-Vou vestir alguma coisa mais confortável.

-Faça como eu, tome um banho também.

“Alem de vaca, miserável, é uma folgada do caralho”.

Entrei no quarto para pegar uma toalha e uma troca de roupa. Surpreendentemente as roupas sujas estavam em um cesto, a cama arrumada, a roupa limpa dobrada, os livros e discos na estante, os cinzeiros vazios, tudo na mais plena ordem.

A minha maior dúvida não foi como aquela bagunça ficou daquele jeito, claro que ela havia arrumado tudo, a questão era, como ela arrumou tudo tão rápido? Muito misteriosa essa mulher, mal comecei a escrever e já usei interrogações demais. Bom, resolvi parar de pensar naquilo e fui tomar meu banho calmamente.

-Tem café na geladeira, se você quiser fazer, a cafeteira está na primeira gaveta.

-Ótimo, farei um café para nós.

Ao sair do banheiro, não a vi na sala, ela estava na cozinha me esperando com uma xícara de café. Havia arrumado a cozinha também, lavou toda a louça, trocou a toalha de mesa e etc.

-Você deveria cuidar melhor da sua casa, está tudo uma zona!

-É, eu sei.

-Nada que eu não possa arrumar.

-Obrigado, mas não sei se é uma boa idéia.

-Claro que é, má idéia é morar nesse chiqueiro.

-Você mora onde?

-Com minha avó.

-Entendi.

Até que não seria ruim um pouco de arrumação, ainda mais feita por outra pessoa. Conversamos um pouco, ela fazia faculdade de psicologia, falava alemão, já morara na Bélgica e na Ucrânia e além de tudo isso, trabalhava em um excelente bar no centro da cidade. “O emprego não é dos dez mais, bêbados dão em cima de mim sempre, como você fez ontem” ela disse, mas usava a desculpa de que ajudava a pagar a faculdade e outras despesas, a avó dela cobrava aluguel!

-Bom, quer almoçar?- perguntei.

-Claro!

Fizemos uma refeição silenciosa, ambos comemos muito bem. Quebrei o silêncio:

-Quer que eu faça outro café?

-Não, eu faço.

-Eu faço, o seu é fraco.

-Tá bom então, faça você.

Fiz um café bem forte, apenas respondendo as suas pergunta, em pouco mais de cinco minutos ela sabia da minha vida inteira, também era fã de interrogações.

-Você vai sair hoje?- ela perguntou.

-Acho que não, talvez compre algumas cervejas e fique em casa.

-Ótimo, hoje é minha folga, vamos alugar uns filmes, eu levo você até o supermercado de carro e você compra alguma coisa para a janta.

-Está bem.

Não era minha idéia passar a noite com visitas, mas uma companhia feminina parecia interessante, resolvi não me opor àquilo. Ela talvez tivesse algum dinheiro para ajudar a pagar algumas cervejas.

Fizemos uma digestão preguiçosa, sentamos na sala e lá ficamos a tarde toda, sem fazer nada, a única coisa que fizemos foi lavar a louça do almoço.

-A minha folga veio bem a calhar hoje, posso passar mais uma noite com você, não sei porque, mas gostei de você.

-Obrigado, você também é legal.

A hora passou rápido , partilhávamos de vários gostos, tínhamos bastante assunto para passar alguns dias juntos. Apesar dos contatos físicos não serem dos melhores, a conversa era boa e ela era bonita.

-Bom, acho melhor irmos comprar alguma coisa para comer e pegar os filmes que você sugeriu. –propus.

-Sim, é bom mesmo.

Quando deixamos a casa, descobri um de seus defeitos, ela dirigia extremamente mal, mas chegamos vivos ao mercado.

-Quantas cervejas você toma? –perguntei.

-Umas seis. –ela me respondeu me estendendo uma nota de vinte.

-Não demoro.

Despedimo-nos com um breve beijo e lá fui eu ás compras. Comprei uma bandeja de carne moída, um litro de leite, farinha, tomates e uma caixa de cerveja com dezoito latas. Gastei mais do que deveria, esperava fazer um bom investimento com Ana.

Voltei ao carro e lá estava ela, do lado de fora, fumando um cigarro e com o som do carro muito alto, ouvia Motörhead, o que me fez gostar mais dela ainda. Ao entrar no carro trocamos mais um beijo e seguimos à locadora. Deixei os filmes ao critério dela.

Foi uma ótima idéia, ela voltou com filmes ótimos, ‘Má educação’e ‘Poderoso chefão’. Voltamos até minha casa e eu fui à cozinha para pôr a cerveja na geladeira e preparar algumas panquecas.

Jantamos e assistimos aos filmes. Tomamos mais umas cervejas e fomos dormir. Dormimos juntos, como um casal que está casado a vinte anos, apenas trocamos beijos de boa noite e dormimos abraçados, nada além disso.

Acordamos tarde no domingo, enquanto eu lavava o rosto ela arrumou a cama. Comemos as sobras do jantar, tomamos mais uma cerveja e ela disse:

-Nossa, olha a hora, preciso trabalhar.

-OK, deixe seu telefone que eu te ligo para repetirmos o programa.

-Você não precisa do meu telefone.

-Você quem sabe.

Passei o domingo solitário, assistindo os tradicionais programas de auditório e tomando as cervejas que sobraram. Nada como um domingo de paz depois daquele estranho ocorrido.

Por volta de onze horas, quando estava lendo um livro deitado na cama, pronto para dormir, a campainha toca. Tive uma surpresa ao abrir a porta, lá estava Ana, com uma mala na mão.

-Voltei.