tag:blogger.com,1999:blog-69833118978192764942023-06-20T06:16:45.730-07:00A L C O O L O S O F I A♦ Rafael Saleshttp://www.blogger.com/profile/03913288993802626432noreply@blogger.comBlogger18125tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-81237075999538136072009-12-17T13:00:00.000-08:002009-12-17T13:02:31.192-08:00Hombridade.<div style="text-align: justify;"><span style="color: rgb(51, 51, 51); font-size: 85%;">♣</span><span style="color: rgb(51, 51, 51);"><span style="font-size: 85%;"><span style="font-size: 85%;"> Victor Marques.</span></span></span><br /><span style="font-size:100%;"><br />As brigas de bar eram comuns para Flávio, ninguém podia olhar pisar em seu pé, olhar muito tempo para ele, apressá-lo enquanto usava o banheiro, atrapalhar seu jogo de bilhar ou etc. Geralmente jogava sozinho, a derrota era motivo para arrumar briga.<br />Chegou ao bar que sempre freqüentava, onde até o dono tinha medo dele, por isso não o expulsava. Ao entrar, todos mudavam de feição, exceto os bêbados que perderam as características de seres humanos.<br />-Alguém quer jogar- Disse Flávio com o taco de bilhar na mão.<br />Por uns instantes o bar ficou em silêncio, mas um freqüentador casual aceitou a partida, não conhecia a fama de seu adversário, simplesmente achou que era um excelente jogador.<br />-E quanto vale a partida? Quem perder paga a conta, o que acha? – Perguntou o jovem.<br />-Claro, tragam um uísque para cá.<br />Tomou de um trago e deu a primeira tacada, sem nem perguntar se poderia começar, uma péssima tacada.<br />-Nem perguntou se podia começar... mas pelo jeito vai ser fácil.<br />-Vá se foder.<br />-Calma cara, é só um jogo.<br />Ao terminar a frase sentiu a ponta do taco em suas costelas.<br />-Viemos aqui pra jogar ou pra conversar?<br />Uma jogada excelente fez com que Flávio ficasse irritado, abriu alguns botões da camisa para que vissem todas as cicatrizes que se orgulhava de carregar no peito, logo em seguida, uma jogada péssima.<br />Aquilo consumia Flávio, perder não era uma opção, era preferível jogar sozinho, mas queria ver até aquilo iria, esperou e viu outra boa jogada, muito acima de sua capacidade. Pediu outro uísque.<br />-Pode jogar, já abri grande vantagem sobre você mesmo...<br />Aquilo sim o deixou irritado, segurou o taco com as duas mão e acertou no meio da cabeça de seu adversário, fazendo com que caísse de cara no pano verde da mesa, pedaços de madeira se espalharam pelo chão do bar, mas aquilo não era o suficiente, bateu mais uma vez com o pedaço de taco que ainda estava em sua mão, dessa vez, o feltro ficou com uma mancha vermelha e o sangue escorreu para a caçapa do meio.<br />-Viram que filho da puta, sabia que a mesa estava torta e estava se vangloriando – Esperou com que o jogador se levantasse da mesa – Viu, você é um ladrão do caralho, sabia que a mesa estava torta!<br />-Mas eu não acertei nenhuma bola nessa caçapa.<br />-Então você quer discutir! É machão! – Atirou-lhe uma bola que acertou em seu nariz e o derrubou na hora.<br />Foi até o corpo que parecia mais uma massa amorfa do que uma pessoa, o sangue escorria de seu nariz e no chão alguns dentes boiavam na poça de sangue ao lado. Flávio foi até o balcão, jogou uma nota de dez para pagar tudo o que havia consumido e antes de sair, jogou uma ponta de cigarro em um dos machucados do homem que acabara de espancar, cujo nome não se dera ao trabalho de perguntar.<br />-Para mim, você vale menos que uma bituca de cigarro.<br />Os observadores não se manifestaram, os que não estavam acostumados com aquilo ficaram chocados demais.<br />Saiu pela rua escura e caminhou até sua casa, tirou a camisa e foi até a cozinha, abriu uma cerveja e tomou rapidamente, fumou um cigarro e subiu a escada que dava para seu quarto.<br />Na cama, sua mulher lia uma revista de fofocas.<br />-Não ta com sono, amor?<br />-Cala a boca, seu bêbado.<br />-Desculpa... Espere, o que é isso aqui – Puxou uma cueca que sabia que não era sua que estava ao lado do criado mudo.<br />-É sua, parece trouxa.<br />-Não, eu tenho certeza que não é minha – Disse em tom sereno.<br />-E se não for, vai fazer o que? O mesmo que faz com seus amigos de bar?<br />-É, talvez seja minha mesmo.<br />-Tá vendo, idiota, não enche o meu saco, quero ler.<br />Flávio se virou de costas para a mulher, acendeu um cigarro e chorou.<br /></span></div>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-57430094278595970892009-11-25T04:46:00.000-08:002009-11-25T04:57:29.864-08:00Vida de mortos.<span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" >♣</span><span style=""><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" ><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" ><span style="color: rgb(51, 51, 51);"> Victor Marques.</span><br /><br /><span style="font-size:100%;"><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Wanderlei estava sentado no sofá, não sabia que horas eram, nem o dia da semana, nem o mês. Sentado no sofá lembrando de como foi genial nos seus estudos, sempre o melhor, o mais rápido, mais inteligente, mais estudioso. Ainda tinha tempo para as mulheres, sempre praticara esportes, saíra com todas as mulheres que quis, o único de sua turma que, aos dezoito anos, ganhou um carro, bolsas de estudos ao terminar o colégio. Uma vida perfeita.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Agora estava estirado sobre um sofá podre, devendo incontáveis meses de aluguel, sozinho, contando moedas para comprar o cigarro de cada dia. Há dias não comia nada digno, até os ratos e baratas abandonavam aquele lar, que, apesar de lar não era doce, e sim, amaríssimo. As manchas de infiltração passaram do teto às paredes, tocando o chão. Os móveis e roupas só não fediam tanto quanto o dono porque foram vendidos a antiquários e brechós nos momentos de desespero.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Estender a mão em busca de uma moeda era humilhante demais para um gênio, um poliglota não precisava pedir esmolas, não se viam mendigos formados em universidades européias, e afinal, para Wanderlei, ainda havia saída.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Levantou-se com um cigarro entre os dedos amarelados, colocou-o entre os poucos dentes que restavam em sua boca, procurou uma caixa de fósforos atrás do sofá, entre os tacos apodrecidos, atrás da privada.Não, em algum lugar acharia um mísero fósforo. Começou a observar os transeuntes do seu lúgubre porão que chamava de casa. Era fim de tarde, por sorte uma guimba rolou para próximo de sua janela, ao pegá-la, se queimou e a deixou cair, uma luta até conseguir acender um mísero cigarro.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);"> Esperou ficar escuro para ir até a casa do zelador do prédio para lhe pedir uma caixa de fósforos emprestada. Fazia tempo que não saía daquele lugar, quando o fez, só desejou voltar o mais rápido possível.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Ao tocar a campainha, foi atendido por uma menina de quinze anos. Ficou atônito, havia esquecido de como eram as mulheres, para ele, só existiam homens e ratos. Pediu uma caixa de fósforos e saiu rapidamente dali, como se fugisse da pobre menina.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Voltou para o sofá, acendeu uma vela, viu que as únicas coisas que restavam para ele, além da fome, era aquele sofá podre e um espelho antigo que não conseguira vender, roupas velhas espalhadas pelo chão e caixas de fósforo vazias.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Por um momento experimentou uma coisa que não sabia o que era há muito tempo, sentimentos. Sentiu ódio de si, depois pena. Havia esquecido como era o sexo, de uma refeição com mais uma pessoa, não sabia mais como era viver em sociedade, todo seu universo estava reduzido ao porão.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">A imagem da filha do zelador não saía de sua cabeça, perturbava-o. Lembrou de algumas de suas namoradas, dos seus amigos, de sua família. Percebeu que todos estavam mortos. Todos estavam vivos, ele sim estava morto.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Rasgou alguns trapos e fez uma corda para se enforcar, mas se sentiu tão impotente, não tinha nenhuma cadeira para subir e pendurar a corda no teto. Até para a morte parecia incapaz.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Deixou sua forca dependurada no braço do sofá e dormiu. Sonhos? Wanderlei não sabia o que eram sonhos há anos, seu sono conturbado resumia-se à modorra.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Acordou depois de horas mal dormidas e permaneceu no sofá, passou a mão pelo seu corpo e notou que sua barba chegava ao peito, os raros fios de cabelos estavam enormes, quando tocou seu sexo, lembrou da filha do zelador.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Os dias, ou as unidades de tempo que pareciam dias, foram se arrastando, até que os fósforos acabaram de novo, juntamente com os cigarros. Precisava falar com o zelador novamente, porém, temia encontrar a menina.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Quando olhou pela janela e não viu mais claridade alguma, deixou o sofá e foi à casa do zelador. O homem atendeu com um maço de cigarros e a caixa de fósforos.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">-Será que você poderia me emprestar uma cadeira?</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">-Claro que não, sente-se no sofá.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Aquelas palavras irritaram profundamente aquele homem. Homem? Será que um ser isolado da convivência, um indigente que morava num porão imundo, alguém que todos já davam por morto, poderia ser considerado um homem?</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Acendeu um cigarro e lembrou que há dias não comia, estava a base de uma água escura que saía da torneira localizada do lado de fora do seu mundinho.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Sentiu raiva do zelador, aquele filho da puta poderia ter emprestado uma cadeira para que morresse dignamente. Um ódio animal o possuiu, era exatamente o que era, um animal.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">No dia seguinte, durante a noite, foi até a casa do maldito lhe pedir uma faca. Caso ele não emprestasse, ele sairia à rua e se atiraria na frente do primeiro ônibus que passasse.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Infelizmente ele não estava, sua filha o atendeu, sentiu vergonha e saiu correndo. Ao entrar no vestíbulo, destruiu o espelho com um soco, muniu-se de um pedaço e resolveu fazer uma visita para a menina.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">-Você vem comigo –disse Wanderlei encostando a ponta do caco no pescoço dela. –E traga uma cadeira.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Ao chegar no porão, a forca foi pendurada em uma haste de ferro que pendia do teto. Mas ainda era cedo para a morte. Antes disso, pretendia relembrar de como era o amor. O fez entre gritos e lágrimas. Quando os lamentos da garota começaram a perturbar, o enorme pedaço de espelho foi enterrado na sua garganta. Agora sim, um amor silencioso e frio.</span><br /><span style="color: rgb(255, 255, 255);">Pensou em enforcá-la junto com ele, mas os panos podres não agüentariam. Ela que dormisse um pouco no sofá. Subiu na cadeira, acertou o nó em seu pescoço e saltou. Sua forca arrebentou, realmente, era incapaz até de se matar.</span></span><br /></span></span></span>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-39808405804909240602009-11-11T08:22:00.000-08:002009-11-11T08:28:56.280-08:00Ana e eu - Solidão.<span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" >♣</span><span style=""><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" ><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" > Victor Marques.</span><br /><br /><br /><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Uma semana longe de Ana, nada mal. Meus cigarros duravam mais, a cerveja na geladeira parecia não acabar nunca, sempre sobrava comida para o dia seguinte, não precisava me preocupar com a louça na pia e nem com a roupa suja espalhada pelo chão do quarto, os cinzeiros voltavam a transbordar e eu nunca mais lavei a cabeça com sabonete íntimo.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Em compensação, me flagrei abaixando a tampa da privada depois que usava, fazendo o dobro de café, nos dias que saía mais cedo, pensava em bilhetes para deixar na mesa para que ela lesse, mas ela não existia mais.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >As semanas foram passando, se tornaram meses, e eu ainda pensava nela. Nesse tempo, consegui marcar um encontro com a minha aluna particular que queria prestar física. Era muito gostosa, se chamava Valentina. Um dia me convidou para passar a noite em sua casa, “estudando”, era bem inteligente, apesar de sua cultura ser nula. Foi muito gentil, alugou alguns filmes, comprou quatro garrafas de cerveja importada, preparou uma boa janta e se vestiu de uma maneira que nem o mais veado dos homens negaria sexo.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Começamos a assistir um filme péssimo. Eu ainda pensava em Ana, mas resolvi atacar Valentina para não prestar atenção ao filme. Os créditos começaram a subir quando trocamos a sala pelo quarto. Ela já havia pensado em tudo, velas espalhadas, pétalas de rosa na cama, incensos e todos os outros apetrechos imaginável que faziam de tudo aquilo uma foda muito cafona.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" > Prosseguimos com tudo aquilo, o que mais parecia um favor, fazia sexo pensando em Ana, tinha de me controlar para não fazer confusão com os nomes. Não foi de todo o mal, talvez até melhor do que estava habituado, mas não queria aquilo.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Quando acabamos, me virei para alcançar um cigarro no bolso da calça, quando acendi ela disse:</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Se quiser fumar é lá fora! –Num tom de reprovação.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Dá um tempo, acabamos de trepar, me deixe um cigarro aqui.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Então quer dizer que estávamos trepando?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Bom, rezando é que não estávamos.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-É assim que você chama, trepar? Então quer dizer que nos rebaixamos a animais?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Se pensarmos em sexo com algo instintivo, sim, nos rebaixamos a animais.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Some daqui, cachorro.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Tudo bem, não precisa ficar irritada.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Coloquei minha roupa e sai o mais rápido possível. Na rua pensei “E pensar que tudo isso foi culpa dela, se deixasse eu fumar na cama, nada disso aconteceria.” Já era tarde, e eu estava no centro da cidade, caminhei apressadamente até o metrô, já estava fechado. Provavelmente não voltaria de ônibus para casa também. Abri a carteira, tinha um dinheiro considerável das aulas que Valentina tinha pagado.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Nessas horas a solução é escolher um bar e ficar lá até o metrô voltar a funcionar. Sendo esse o caso, Por que não fazer uma visita à Ana? Ela deveria estar saindo do trabalho agora. Talvez me arrumasse bebidas mais baratas.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Caminhei até o bar e olhei pela janela, lá estava ela. Servia uma mesa de homens engravatados acompanhados de meninas trinta anos mais novas. Não me viu. Cheguei ao estacionamento e comecei a conversar com o manobrista.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-E ai cara, como vai?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Bem, o senhor está de carro?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Não, queria perguntar uma coisa para você.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Pois então diga.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Tem a chave do carro de Ana aí?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Tenho sim.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Dou dez paus pra você abrir o carro dela pra mim.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Não posso...</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Tudo bem, vinte.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Fechado!</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Fomos até o carro dela, ele abriu e logo me cobrou os vinte reais. Entreguei para ele, só o cheiro dela que estava impregnado no carro já valia cada centavo, resolvi deixar um bilhete para ela, já que não teria coragem de entrar lá.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >“Ana, sinto sua falta, quando faço sexo, só consigo pensar em você. Victor.”</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Saí de lá o mais rápido possível e encostei num bar que ficava do outro lado da rua, só para vê-la sair do trabalho. Fiquei lá cerca de quatro horas bebendo ininterruptamente, ansioso. De repente, peguei no sono ali mesmo, o que foi o suficiente para ela sair do trabalho sem que a pudesse ver.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Voltei ao manobrista.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Cara, que horas são?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Cinco e meia.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Você sabe quando é a folga de Ana?</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Hoje.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Obrigado.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Saí de lá e fui correndo até a estação de metrô. Dormi no metrô, fui e voltei várias vezes para o mesmo lugar. Um segurança me acordou, já era a terceira vez que me via voltar para a estação em que ele trabalhava. Fui caminhando até minha casa. Quando cheguei encontrei algumas guimbas pisadas ao lado da porta, pensei nela.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Quando entrei, havia um papel que haviam passado por debaixo da porta.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >“Você é um grande filho da puta, também sinto sua falta, mas não vou voltar. Ana”.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Aquilo me deixou revoltado, mas a mancha de cerveja na parede me fazia lembrar que eu realmente era um grande filho da puta.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Passei o domingo no quarto, sem pensar em nada, nem em mim, nem em Ana. Quando estava quase dormindo, a campainha toca, resolvo não atender, provavelmente era algum vendedor de bíblia ou algum testemunha de Jeová.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Seja lá quem fosse, insistiu muito para que eu atendesse a porta. Mas não tive coragem de me levantar. A campainha foi substituída por um grito.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Definitivamente você é um grande filho da puta!</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Levantei correndo e fui até a porta. Quando abri, um carro saía cantando pneus, era o carro de Ana, eu sentei na calçada e observei-a partir. Não despregava meus olhos da fumaça que saía do escapamento. É, ela não voltaria mesmo, se eu tinha alguma chance, ela acabou de partir cantando pneus.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >Ouço um barulho ensurdecedor na esquina de casa, entro. A desgraça dos outros pouco me importa. Procuro um cigarro e só encontro maços vazios, procuro no meio da roupa suja uma camiseta apresentável para ir até a padaria.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >No caminho vejo um carro abraçado ao poste. Sim, o carro de Ana. Pergunto ao dono da padaria o que aconteceu.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >“Uma maluca saiu correndo e arrebentou o carro no poste, saiu voando pelo pára-brisa, uma maluca a menos no trânsito e você, quer o que?”.</span><span style="font-size:100%;"><br /></span><span style="color: rgb(204, 204, 204);font-size:100%;" >-Um camel.</span><span style="font-size:100%;"><br /><br /></span><br /></span></span>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-17397005376317631442009-11-03T05:22:00.000-08:002009-11-03T18:25:51.630-08:00Passeio<span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span><br /><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-family:trebuchet ms;font-size:78%;" ><strong>♦ Rafael S.M.F.</strong></span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span><br /><span style="color: rgb(153, 153, 153);"><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Desci a Oscar Freire de cabeça baixa, mas ainda conseguia ver algumas pessoas por lá me lançando aquele olhar de desdém. Provavelmente não gostaram da minha roupa velha e amassada, estavam acostumadas apenas a se arrumar com peças que custavam mais do que eu consigo gastar em um ano. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Segui em frente e parei no primeiro bar que encontrei, pedi uma cerveja pra tentar descansar um pouco Estava tudo bem até aparecer um garoto de boina e com uma jaqueta de couro bem velha, consegui observar um grande <strong><em>‘A’</em></strong> costurado em sua manga. Merda, mais um moleque metido a revoltado querendo arrumar o que fazer.</span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Mas será que eu também não sou?</span><br /><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >“ E ae mano, você curte o que ?” – Ele me perguntou. </span><br /><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Por algum motivo chamei atenção atenção dele. Não sei porque, nunca fui do tipo que usa roupas cheias de simbolismos ideológicos, nunca tive muita opção. Acho que se você tem uma opinião, deve simplesmente dizer, não usar um desenho que só o seu grupinho entende para demonstrar isso. Ignorei e continuei bebendo.</span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Cutucou meu ombro e perguntou mais alto. </span><br /><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >“Hein mano, CÊ CURTE O QUÊ?” </span><br /><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Se não tivesse um tom tão arrogante, talvez tivesse conversado com ele. Dei a ultima golada do copo, paguei o atendente e respondi. </span><br /><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >“Curto cerveja” </span><br /><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Me virei e fui embora, ele não me seguiu, provavelmente devia ser mais interessante incomodar outra pessoa. Virei a esquina e comprei uma lata de cerveja em outro bar, </span></span><span style="color: rgb(153, 153, 153);"><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >com o que restava do meu dinheiro.</span></span><span style="color: rgb(153, 153, 153);"><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" > Assim que saí me deparei com um ser enorme , todo colorido. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >“E ae gatão, vamos dar uma volta ?” </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Travestis são comuns por ali naquela hora da noite. Desviei sem olhar e ignorei. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Virei e saí em uma rua que eu não conhecia, haviam vários restaurantes caros por lá. As pessoas que andavam por ali não me olhavam com desdém, simplesmente não olhavam. Me senti invisível, mas isso não era ruim... </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Continuei andando e me deparei com um mendigo muito velho. Estava mexendo nos lixos amontoados ao lado dos restaurante e me olhou nos olhos quando passei por ele. Me senti estranho, percebi que raramente me olhavam direto nos olhos. Parecia que eu conseguia ver a dor na alma daquele homem, olhando nos olhos dele. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Ou talvez fosse na minha alma, não sei.</span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Passei direto. Alguns garotos de rua começaram a aparecer, a maioria devia ter menos de 12 anos. Estavam completamente chapados, cada um com um saquinho plástico cheio de cola. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >“Me arruma um real tio?” </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >“Não tenho...” </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Não ia dar dinheiro para eles comprarem mais cola, ou sei lá o que eles usavam além disso. Bem, eu estava com uma lata de cerveja e isso não me faz muito melhor que eles, mas se eu fosse gastar meu dinheiro com drogas, que fosse pra mim mesmo. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Não é bom ser egoísta quando se trata de se matar? </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Continuei andando e cheguei no metrô. Pior hora do dia. Dezenas de rostos vazios, tristes, ostentando suas vidas mutiladas. Todos odiando profundamente o fato de estar ali dentro, eu me incluía em tudo isso, obviamente. Todas aquelas pessoas amontoadas, desperdiçando suas vidas em empregos que odeiam, presas no ciclo “dívida – trabalho – salário”, uma vez preso a isso, você é o escravo perfeito, e nem percebe.</span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Descendo daquele metrô ainda tinha que pegar um ônibus, a mesma história. Todos pareciam bois indo para o abate, ou depois do abate, talvez. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Desci do ônibus e fui pra casa, finalmente, ninguém pra me olhar ou julgar, ninguém para EU olhar e julgar, humanos são mesmo uma desgraça, e eu faço parte disso. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Ficar afastado de todos causa uma falsa sensação de conforto, por um momento posso me sentir fora desse ciclo hediondo que se passa lá fora. </span><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Fiquei deitado na cama olhando teto, pensando na minha vida. </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >Estava sozinho, apenas com meus pensamentos e minhas lembranças e, no entanto, </span><br /><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" >não gostei do que vi.</span></span>♦ Rafael Saleshttp://www.blogger.com/profile/03913288993802626432noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-89350031693529992092009-10-28T09:22:00.000-07:002009-10-28T09:32:01.499-07:00Ana e eu - Divórcio.<span style="color: rgb(51, 51, 51); font-size: 85%;"><span style="font-size: 85%;">♣</span></span><span style=""><span style="color: rgb(51, 51, 51); font-size: 85%;"> Victor Marques.</span></span><br /><span style="font-size:100%;"><br />Após um mês de convivência eu percebi que a tampa da privada sempre estava abaixada, as cervejas estavam acabando mais rápido do que o previsto, eu não via mais ninguém além de Ana, estava pagando o preço do “casamento”. </span><p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Um dia vi que esse preço era alto demais. Aquela foi a gota d´água, não ficava tão possesso desde que um mendigo cagou na porta de casa. Um maço de cigarros meu havia desaparecido, aquilo sim era revoltante! Precisava ter uma conversa séria com Ana.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Aquela era a sexta feira que marcava um mês de nossa vida conjugal. O dia se arrastou, não via a hora de ela chegar em casa para que tivéssemos uma briga homérica. Sim, eu realmente desejava brigar. Não consegui pensar em outra coisa, nem em minhas aulas conseguia me concentrar, me peguei dando um exercício que a frase a ser analisada era “Ana roubou meu maço de cigarros.” O mais estranho foi que dei essa frase para uma criança de nove anos de idade.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Cheguei em casa mais tarde do que o habitual, fui dar umas aulas de redação para uma mulher de trinta e cinco anos que ia prestar vestibular para física. Ela era muito gostosa, o que só fui descobrir na segunda aula, naquela sexta feira só conseguia pensar no meu maço de cigarros extraviado.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Estava atordoado, sentei-me na cozinha, abri um litro de uísque que estava guardando para uma ocasião especial. Tomei um quarto da garrafa em menos de uma hora. Ela tocou a campainha, estava acompanhada de uma amiga que eu nem notei.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Você pegou um maço de cigarros que era meu!</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Peguei... Por quê?</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Era meu, porra, você que compre os seus.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Foi só um maço de cigarros.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Foi um maço de cigarros hoje, amanhã será outro, depois outro! Não sabia que você me ajudava a pagar pelos cigarros também.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Filho de uma puta, quando vim morar aqui, isso parecia um chiqueiro, devia de me agradecer por não viver mais como um porco.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Você que deveria me agradecer, a merda da casa é minha, você não tinha nem merda para tirar do seu cu quando veio morar aqui!</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Vai jogar na minha cara?</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Só aí que notei a amiga dela estava sentada no sofá assistindo a tudo aquilo de camarote, horrorizada. Ela não conseguia piscar. Tinha uns vinte e cinco anos e parecia nunca ter visto homem nenhum naquele estado de cólera, ainda mais por um maço de cigarros.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Boa noite pra você, se quiser, tem cerveja na geladeira. –Disse para a amiga dela.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Aproveite e pegue uma para mim.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Ela foi e eu continuei a briga com Ana.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-É o maço de cigarros, a tampa da privada, toda aquela quinquilharia no meu banheiro, as suas calcinhas no box, todas essas coisas me irritam, mas que porra!</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Você é um grande filho da puta!</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Pois eu acho que é você. –Disse sarcasticamente.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">A amiga retornou a sala com dois copos de cerveja bem cheios e me entregou um deles. Estava com o medo estampado na cara, mas esboçava uma risada amarela, tentando entender tudo aquilo.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Me desculpe, nem perguntei seu nome?</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Carolina, mas pode me chamar de Carol.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Ah sim, me chamo Victor, mas por me chamar de Agnaldo.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Era visível a minha irritação, voltei-me à Ana, que estava com o rosto vermelho de ódio.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Ela é minha irmã, ela veio aqui para conhecer você.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Pau no cu dela! Ela que viesse num momento melhor.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Agora chega!</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Eu que o diga. CHEGA. –Atirei o copo na parede, coisas que aprendi com uns amigos meus</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Não se falou mais nada durante alguns instantes, até que ela tirou o maço da bolsa e jogou no meu colo.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Pode ficar, para você se lembrar dos nossos últimos momentos juntos. –Devolvi o maço a ela.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Então acabou? </span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">-Creio que sim, pelo menos por enquanto.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">Fui até a cozinha tomar uma cerveja, ela foi ao quarto arrumar suas coisas, disse que depois passaria para pegar o resto, eu insisti para que levasse tudo de uma vez.</span></p> <p class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;">E lá se foram as duas, cantando pneus pela rua, como se tivessem pressa de sair depressa dali.</span></p> <span style=";font-size:100%;" >Fui até a calçada e achei o maço de cigarros no chão, amassado pelos pneus do carro.</span>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-45790530955033198022009-10-20T05:02:00.001-07:002009-10-20T10:21:53.727-07:00Sinuca de bico<div style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-size:85%;" >♠ Rodrigo Bersogli</span><br /><br />- Ei, Marcão... É sua vez!<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola seis, caçapa do meio</span>.<br /><br />- Pois é, Edinho... Como eu ia dizendo, as coisas não andam bem lá em casa. Nem um pouco, cara. Tá foda.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola onze, caçapa da ponta.</span><br /><br />- Mas então, bicho... O que é que tá pegando? O que tá rolando na sua casa, rapaz?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola quatro, ficou na boca. Aproveitou e puxou um cigarro.</span><br /><br />- As coisas estão enroladas por lá, cara. Tô que nem quero aparecer de cara limpa hoje, para não fazer merda.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola sete, direto na caçapa do canto. Deu uma golada na cerveja.</span><br /><br />- Ih, cara... Mas diz aí, qual é o galho? Tu tá com uma cara péssima...<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola dois grudou na lateral da mesa. Encheu o copo de cerveja rápido, deixando colarinho.</span><br /><br />- É a Rosana, Edinho. É a Rosana...<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola cinco tirou a quatro da boca. Acabou com a cerveja numa longa golada e acendeu um cigarro vagabundo.</span><br /><br />- Porra cara, a Rosana? Mas o que é que ela tem, chapa? Tá mal?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola quatro empurrou a cinco mas não ficou nem perto da caçapa. Tragada forte no cigarro, outro copo de cerveja cheio de espuma.</span><br /><br />- A sacana tá me passando pra trás, bicho. Tô levando bola nas costas.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Paulada na bola cinco, direto na boca. O barulho fez ambos olharem para a mesa, e Edinho encheu o copo de Marcão, depois de apagar a bituca que acabara de jogar no chão com a sola do sapato.</span><br /><br />- Cara... Meu, vamos com calma. O que você tá falando é muito sério, Marcão. Eu não a conheço, mas pelo que você sempre fala a Rosana não parece ser mulher disso. E o que te faz achar uma coisa dessas?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Quatro de volta na boca, que agora estava livre.</span><br /><br />- Sei não, Edinho... Sei não. Tô com um pé atrás com ela há um tempo, mas agora eu tô ainda mais encucado. Pra você ver... Você sabe que eu jogo bola de quinta-feira, não é? Pois então. Toda quinta quando eu chego de quadra, a Rosana tá deitada. Mas não tem banho no mundo que tire o cheiro do perfume dela, eu conheço bem aquele cheirinho, nego. Ah, se conheço! E ela tá sempre acabada, morta de sono... Agora, vê se não tenho razão: Se ela não saiu de casa, como pode estar com o cheiro, mesmo que de leve, do maldito perfume?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola três empurra a dois pra lateral. Outro cigaro é aceso, outra cerveja é aberta.</span><br /><br />- Ah cara... É, isso é complicado mesmo... Mas sei lá, de repente ela aproveita que você não tá lá cedo na quinta para fazer algo para ela, oras... E outra, tu não bebe quando sai da quadra? Vai ver ela tá como sempre, mas você fica encanado por causa do gole... Além do mais, porque só agora você tá preocupado com isso? Sei que você joga seu futebolzinho faz tempo...<br /><br /><span style="font-style: italic;">Edinho tenta derrubar a quatro, mas erra. Acende outro cigarro e pede um conhaque, oferecendo imediatamente para Marcão, que vira numa golada só fazendo uma bizarra careta:</span><br /><br />- Valeu, cara. Desculpe te encher com esse história, mas precisava conversar com alguém e você é o único lá da firma que eu posso bater esse tipo de papo.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola treze passa longe da caçapa. Com uma nota de um real, Marcão coloca 'Azul da Cor do Mar' de Tim Maia e 'I Just Can't Stop Loving You', de Michael Jackson na hipnótica jukebox, com suas luzinhas e pisca-piscas.</span><br /><br />- Relaxa, somos camaradas... Estamos aí pra isso. Mas diz pra mim, o que te levou a pensar nisso agora?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Finalmente, bola quatro cai na caçada do canto. Edinho pede mais dois conhaques e outra cerveja.</span><br /><br />- Então, cara... A Rosana sempre foi carinhosa comigo, mas do jeito dela. Sabe como é, né? Faz charme mas, no fundo, gosta de me agradar. O problema agora é que ela tá estranha comigo todo dia, meio fria, sei lá... Mas às quintas pela manhã, justo às quintas, ela fica um amor. Um doce, como se estivesse de consciência pesada, não sei. Mas é só passar a quinta e volta tudo ao normal, bicho.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola três para no meio da mesa, depois de uma tabela mal sucedida. Marcão e Edinho viram seus respectivos conhaques e enchem os copos com cerveja.</span><br /><br />- Porra, cara. Não acho que isso seja motivo... Toda mulher tem suas fases, suas frescuras. Às vezes ela tá puta com alguma coisa, ou preocupada, ou mesmo cansada... Mulher é foda, você sabe.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola dois fica na boca do canto. Edinho faz Marcão virar o conhaque, mas toma o seu devagar, alternando com a cerveja.</span><br /><br />- Sim, eu sei... Mas tem mais uma coisa, cara. Eu achei isto atrás do criado-mudo.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Então, Marcão exibe um isqueiro azul, pequeno. Bic. Pede outro conhaque, dessa vez com limão. Vira de uma vez, mais rápido e mais leve que os outros, e acende outro cigarro com extrema velocidade.</span><br /><br />- Ué, mas o que tem demais? É só um isqueiro, cara. Eu mesmo já achei tantos em casa...<br /><br />- Malandro, acorda: A Rosana não fuma. Só EU fumo em casa, e nunca tive ESSE isqueiro! Tá entendendo o que eu tô dizendo? Essa porra não é minha!<br /><br /><span style="font-style: italic;">Vendo que Marcão estava visivelmente alterado e nervoso, Edinho pediu outro conhaque para ele. À essa altura, o bar já estava quase vazio, e os bêbados que permaneciam por lá pareciam parte da pitoresca decoração. Talvez alguns estivessem sentados lá, naquelas mesmos esquálidos banquinhos, desde antes do bar existir, porém não sabiam. E muito provavelmente continuariam lá, velando e serrando o gole alheio mesmo depois do bar falir. Eram como o balcão, as garrafas, as mesas de sinuca: Patrimônio do local, e eram tão impassíveis quantos os referidos móveis. O que os diferenciava da jukebox eram as luzes, a capacidade musical e o fato da jukebox ter mais moedas dentro dela naquele momento do que a maioria daqueles zumbis funcionais tiveram em toda a sua pseudo-vida. </span><br /><br /><span style="font-style: italic;">Edinho tomou seu copo de cerveja, já nem tão gelado quanto antes.</span><br /><br />- Marcão, Marcão... Vamos com calma, cara. Será que nenhuma amiga dela deu uma passada por lá e esqueceu?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola dois, caçapa do canto. Na sequência, doze cai no meio. Outra cerveja para ele, outro conhaque para Marcão, outros cigarros para ambos.</span><br /><br />- Amiga é o caralho, porra! Eu tô levando galho, eu sei. Tô falando, cara. E vou te falar uma coisa: Eu mato aquela ingrata filha da puta! Tá me entendendo? Eu mato!<br /><br /><span style="font-style: italic;">Virou o conhaque como se fosse cerveja. Empurrou a quinze para o outro lado da mesa, mas não derrubou nada, nem defendeu. Mais um real na jukebox, agora para tocar 'Carolina' de Jorge Ben Jor e 'How deep is your love?', do Bee Gees.</span><br /><br />- Calma, cara! Assim você só piora as coisas. Tem é que ter certeza da situação antes de mais nada. Porque você não falta ao futebol na quinta e fica à espreita, de tocaia, para ver o que é que tá acontecendo de verdade? É melhor do que tomar uma atitude precipitada, cara. Se precisar, eu fico contigo nessa arapuca, a gente vê que merda dá.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Bola oito cai lenta e caprichosamente no canto. Edinho oferece uma vodka ao amigo, que toma sem pestanejar nem questionar, já trôpego e ofegante.</span><br /><br />- Porra, Edinho! Tá falando sério, cara? Tu faria isso comigo? Hic!<br /><br /><span style="font-style: italic;">Marcão tenta acertar a bola treze, sem sucesso. Mal consegue permanecer em pé sem cambalear.</span><br /><br />- Calma, Marcão! É claro que eu fico ao teu lado nessa, cara. Mas acho que por hoje já deu, hein? Você já tá no grau, amigo. Eu vou dar uma mijada; me espera aí para irmos embora. Tá tarde e você já bebeu demais por uma noite, chapa. Tenta ficar aí na cadeira sem cair até eu voltar, hein?<br /><br /><span style="font-style: italic;">Marcão mexeu a cabeça positivamente, porém sem muita coordenação. Edinho foi ao banheiro e, em frente ao mictório, se sentiu aliviado em todos os sentidos. Ao virar para trás, logo após fechar o zíper, se deparou com Marcão na porta do banheiro. Exalava álcool por todos os poros e tinha os olhos vermelhos, marejados. Fitou o ambiente com uma calma gélida para um homem em sua situação e foi desenfreadamente em direção ao amigo, dando-lhe um pesado e forte abraço. Edinho ainda tentou balbuciar que era melhor já irem embora, mas não conseguiu terminar a frase porque Marcão o interrompou, com os lábios colados em sua orelha:</span><br /><br />- Eu sei que foi você, filho da puta.<br /><br /><span style="font-style: italic;">Ao terminar essas palavras, ditas quase como sussuros, Edinho sentiu a lâmina penetrando suas entranhas uma, duas, três vezes. Não soube precisar se houveram novas investidas, pois a partir daí, não sentiu mais nada. Sua única reação foi estender a mão em direção à Marcão, numa vã tentativa de reaver seu isqueiro </span><span style="font-style: italic;">perdido</span><span style="font-style: italic;">.</span><br /></div>♠ Rodrigo Bersoglihttp://www.blogger.com/profile/09730173782172326076noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-1966579464082074432009-10-16T10:29:00.000-07:002009-10-16T10:32:22.021-07:00Ana e eu – Vida conjugal<p class="MsoNormal"><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" ><span style="font-size: 85%;">♣</span></span><span style=""><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-size:85%;" > Victor Marques.</span><br /></span></p> <p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal">Sinceramente não entendia porque ela havia voltado, nem eu, que era o dono da casa achava o ambiente muito agradável. Mas pensando pelo lado otimista, talvez fosse bom partilhar meu tempo livre com uma mulher, Ana era uma boa mulher.</p> <p class="MsoNormal">Quando abri a porta para ela entrar com aquela mala de roupas, fiquei embasbacado, não consegui pronunciar palavra alguma, apenas a ouvi dizendo:</p> <p class="MsoNormal">-Faça o favor de ajudar a tirar as coisas do carro, acha que a minha mudança é só uma mala de roupas?</p> <p class="MsoNormal">-Ah sim, pode deixar.</p> <p class="MsoNormal">Quando abri o porta-malas fiquei chocado da quantidade de coisas que estavam ali, metodicamente dispostas. Uma televisão pequena, um rádio portátil, utensílios domésticos, um pouco de comida, uma coleção de garrafas de cerveja vazias, roupas, uma arara desmontada... Parecia que pretendia ficar um tempo por aqui.</p> <p class="MsoNormal">Fiz cerca de cinco viagens para tirar tudo do carro. Quando entrei na sala, ela estava sentada no sofá, sua cara não era das melhores. Resolvi perguntar porque resolvera mudar para a minha casa, quanto tempo gostaria de ficar, se ajudaria nas despesas domésticas e etc.</p> <p class="MsoNormal">-Olha...</p> <p class="MsoNormal">Ela me interrompeu num choro convulsivo, fora expulsa da casa de sua avó, não tinha a quem recorrer e pensou em mim. Depois de ouvir tudo aquilo, fui incapaz de perguntar qualquer coisa, minha única reação foi lhe oferecer uma cerveja.</p> <p class="MsoNormal">A única coisa que consegui perguntar foi se ela gostaria que eu dormisse na sala, a idéia não foi muito bem vista, dividimos a cama num sono profundo, sabendo que uma manhã de segunda feira nos aguardava.</p> <p class="MsoNormal">Acordei por volta de dez horas, ela já estava acordada, fazendo o nosso café da manhã. Quando me sentei à mesa, ela estava refeita, estava com uma cara ótima, acho que foi porque não restringi sua estada em minha casa. Achei que o momento era bom para perguntas.</p> <p class="MsoNormal">-Então... Quanto tempo pretende ficar?</p> <p class="MsoNormal">-Não sei, mas se você quiser que eu saia, por mim tudo bem.</p> <p class="MsoNormal">-Pode ficar, gosto de você.</p> <p class="MsoNormal">-Ótimo, pretendo ajudar nas despesas da casa também.</p> <p class="MsoNormal">-Isso é bom, não posso sustentar mais um aqui.</p> <p class="MsoNormal">Ela acabou de tomar seu café e foi tomar um banho, precisava sair para trabalhar. Não se demorou muito e quando saiu do banheiro, estava muito bonita, de uma maneira que nunca havia observado.</p> <p class="MsoNormal">Despedimo-nos com beijinhos de bom dia e ela se foi em seu carro para o bar onde trabalhava. Resolvi tomar um banho também. Quando entrei no banheiro, quase caí, havia um arsenal de xampus, condicionadores e maquiagem. Precisava aprender a conviver com tudo aquilo.</p> <p class="MsoNormal">O dia passou rapidamente, dei duas aulas particulares depois do almoço, parei em uma padaria para tomar uma cerveja no fim da tarde, comprei uma edição de bolso de ‘A Peste’ e rumei de volta para casa.</p> <p class="MsoNormal">Por um instante esqueci que tinha uma nova hóspede e me pus de cueca na sala para assistir um pouco de televisão e tomar uma cerveja. Relaxei a tal ponto que adormeci ali mesmo por uns instantes, até que a campainha me acordou, era ela.</p> <p class="MsoNormal">-Você poderia me providenciar uma chave, já que estou dividindo a casa com você.</p> <p class="MsoNormal">-Não sei, nunca chego depois de você.</p> <p class="MsoNormal">-É, assim não me preocupo em perder a chave.</p> <p class="MsoNormal">-É, pegue uma cerveja na geladeira se quiser.</p> <p class="MsoNormal">-Claro, meu amor.</p> <p class="MsoNormal">-Amor?</p> <p class="MsoNormal">-Por que não?</p> <p class="MsoNormal">-É, por que não?</p> <p class="MsoNormal">Precisava me acostumar com aquilo também. </p> <p class="MsoNormal">Bebemos uma cerveja, trocamos perguntas cotidianas, e as duas da manhã ela resolveu dormir.</p> <p class="MsoNormal">-Vá lá, vou ler um pouco.</p> <p class="MsoNormal">-Tudo bem, te espero na cama.</p> <p class="MsoNormal">Li até três horas da manhã e fui para o quarto, quando entrei, ela ainda estava acordada, estava me esperando.</p> <p class="MsoNormal">-Queria te dar um beijo de boa noite –ela disse.</p> <p class="MsoNormal">-Tudo bem, boa noite.</p> <p class="MsoNormal">Naquela noite eu não pretendia dormir muito tarde, mas quando me dei conta, estávamos envolvidos em uma foda louca que durou até as seis da manhã do dia seguinte, quando o sol começou a nos espiar trepando.</p> <p class="MsoNormal">Depois de dormir algumas poucas horas, fui acordado pelo som do rádio, fiquei com raiva, mas pelo menos era uma música que me agradava. Fui à cozinha e lá estava ela, de calcinha e camiseta preparando alguma coisa para o almoço.</p> <p class="MsoNormal">-Bom dia, amor.</p> <p class="MsoNormal">-Bom dia.</p> <p class="MsoNormal">-Carne ou frango?</p> <p class="MsoNormal">-Carne.</p> <p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">Ao fim de uma semana parecíamos casados. Casados... Isso definitivamente me assustava! Como poderia levar uma vida conjugal sem reclamar, sem ver problema nenhuma naquilo?</p> <p class="MsoNormal">Fui levando aquilo tudo numa boa, não recebia mais amigos para casa, não fumava mais na cama, não lia até três horas da manhã. Estava me adaptando a vida a dois. </p>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-42475610241302697462009-10-13T08:41:00.004-07:002017-01-10T22:31:42.236-08:00Eles Estão Enganando Você<span style="font-family: "verdana"; font-size: 85%;"><span style="color: rgb(51 , 51 , 51); font-family: "trebuchet ms"; font-size: 78%;">♦ Rafael S.M.F.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Eu não estava me sentindo muito bem, provavelmente por que meu remédio tinha acabado. Eles sempre acabam muito rápido quando caem no ralo. Eu precisava sair e comprar mais, mas estava chovendo muito e, depois que eu assisti o Mágico de Oz, passei a ter medo de me molhar e derreter, assim como aquela bruxa verde. Coitada.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Fiquei na janela observando as pessoas na rua. Acho que elas também tinham medo de derreter, pois corriam muito para não se molhar. Especialmente as mulheres, parecia que elas tinham muito medo que o cabelo - ou até mesmo a cabeça inteira - desmanchasse na água.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Estava lá, entretido com as pessoas, quando o telefone tocou fazendo aquele som estranho que parece um grilo espacial. Meu filho me comprou esse telefone há uns tempos atrás. É muito moderno, mas demorei apenas seis meses para aprender a ligar ele, apertando o botão.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Apertei.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Alô?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Boa tarde, com quem eu falo?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Era uma voz de mulher.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Comigo – respondi – E eu estou falando com você.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Bem, meu nome é Catarina, e sou do...</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Não conheço nenhuma Catarina, então você não me ligou, até logo.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Desliguei.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Fui até o banheiro fazer um lanche, mas a comida tinha acabado. Sentei no vaso e fiquei pensando no que fazer, quando o telefone tocou novamente.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Fui até a sala, peguei o telefone e apertei o botão.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Alô?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Boa tarde, com quem eu falo?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Era uma voz de homem.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Comigo – respondi.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Bem aqui é do Jornal Folha de São Paulo e consta no nosso sistema que o senhor Luiz não pagou as três ultimas prestações da assinatura, ele está?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Eu não leio jornal, até logo.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Desliguei e sentei no sofá.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);"><br />Peguei o jornal ao meu lado e comecei a ler. Não entendia nada daquilo, mas as fotos eram muito divertidas.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Então o telefone tocou novamente.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Fui até a cozinha e abri a geladeira, mas lembrei que o telefone estava na sala. Voltei e atendi.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Alô?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Oi pai, tudo bem?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Oi Ricardo, como vai filho?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Vou bem, e por aí?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– As coisas vão mal por aqui, acabou a comida e eu não posso sair na chuva se não vou derreter.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Pai, o senhor não tomou seus remédios de novo?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Não, eles acabaram quando joguei no ralo.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Cacete pai! Vou aí levar pro senhor, até logo.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Desligou.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Naquele momento fiquei irritado por ser interrompido o tempo todo e tirei o telefone da tomada. Voltei a sentar no sofá e abri o jornal, mas – para meu espanto – o telefone voltou a tocar, mesmo com o fio desligado. Fui até ele e atendi.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Não leia o jornal, eles estão enganando você – a voz disse.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Obrigado por avisar – Respondi.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Desliguei.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Peguei o jornal, rasguei e joguei no lixo do banheiro. Fiquei pensando no que fazer e resolvi ligar a tv. Havia um casal estranho brigando, gritavam muito. Uma mulher ficava sentada no meio com um microfone olhando com cara de idiota, não consegui entender o que era aquilo. Então o telefone tocou novamente. Atendi.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Eles também estão enganando estão você – A voz disse.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Obrigado, de novo.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Por nada – a voz respondeu.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Desliguei.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Peguei a TV, levantei até a altura da minha cabeça e a joguei no chão. Ela espatifou fazendo um barulho terrível.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Decidi fazer um café. Fui até a cozinha, liguei o fogão e coloquei a água no fogo, mas ele apagou. Achei melhor procurar uma chaleira, mas o telefone tocou novamente.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Eu já estava muito irritado e não quis ir até a sala, então peguei uma banana que estava em cima da mesa.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Alô? – Eu disse.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– A morte vai te buscar hoje – a voz disse.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Sério, sem nem avisar antes?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Estou avisando agora.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Obrigado pela atenção – Eu disse.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Então, a campainha tocou. Não imaginei que ela viria tão rápido. Desliguei a banana e fui até o quarto, mas não tinha ninguém lá. Demorei alguns minutos até lembrar que ela só poderia estar na porta da rua, pois era lá que ficava a campainha.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Abri a porta com medo, mas era apenas o meu filho. Felizmente a chuva já havia acabado e ele não derreteu nem um pouco. Ele me entregou uma sacolinha da farmácia e entrou. Parecia estar muito bravo.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Caramba pai! Você sabe que não pode ficar sem tomar esse remédio, porque você sempre joga fora? – Ele gritou.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Não sei, não me sinto bem quando tomo ele, não acho que seja saudável.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Ele sentou no sofá e viu a televisão quebrada em cima do tapete. Começou a gritar mais alto.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– O que aconteceu com a televisão??!</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Eles estavam me enganando, então eu quebrei. – Respondi.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Colocou as mãos sobre o rosto, parecia preocupado e muito chateado.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Enganando como? – Perguntou.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Enganando mentindo, ué. A voz do telefone que me disse.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Olhou para o telefone e viu o fio desligado. Pareceu muito assustado quando viu isso.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Meu Deus! Pai, acho que você está muito mal, vamos ao médico hoje, por favor!</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Não precisa filho, estou me sentindo ótimo. Acho que vou morrer hoje.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– O que??</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– É, acho que vou morrer hoje, a voz do telefone disse que a morte viria me buscar.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Que voz do telefone?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Bem... Na verdade foi a voz na banana.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Ok pai, vamos fazer assim. Toma o remédio e eu passo a noite aqui, com você.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Tudo bem, filho...</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Ele parecia muito preocupado e abatido, então achei melhor concordar. Fui até a cozinha, peguei um copo com água e tomei o remédio. Ele me observou calado. Parecia satisfeito.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Que bom pai, assim você vai se sentir bem melhor, você vai ver. Agora eu vou ali no banheiro e já volto.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Levantou e foi.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Cuspi o comprimido na pia da cozinha, joguei o resto no lixo. Se os jornais e a tv me enganavam, por que as farmácias não me enganariam também?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Subitamente me veio a idéia que meu filho também mentia pra mim. Por que ele queria que eu tomasse esses remédios que faziam eu me sentir tão estranho? Para que eu ficasse dopado e aceitasse tudo que dissessem! Com certeza! Lembro que começaram a me dar esses remédios quando passei a desconfiar que o carteiro me espiava enquanto eu tomava banho!</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Então, o telefone tocou novamente, como estava na cozinha, atendi a banana, pois ela estava mais perto.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Você tem toda a razão – A voz disse.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Eu sabia! Bando de canalhas!</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– E não esqueça que você vai morrer.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Eu sei, todo mundo morre – Retruquei.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Mas você vai morrer hoje.</span><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);"><br />– Hoje? Sabe em quanto tempo?</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Logo logo – Respondeu.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Desligou, na mina cara.</span><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);"> Filho da puta.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Comi a banana.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);"><br />Então ouvi o barulho da descarga. Fui até a sala e olhei meu filho saindo do banheiro.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Você também está me enganando!! – Gritei.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– O Que? - Ele perguntou, fingindo que não sabia de nada, mas sua cara de espanto mostrava que eu estava certo.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">– Seu cínico! Vocês todos estão me enganando! Saia daqui já! Volte lá pra sua corja!</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);"><br />Peguei ele pelo braço e empurrei para a rua. Observei rapidamente ele caindo na calçada e tranquei a porta.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Logo ele começou a gritar e bater na porta. Mas ignorei, estava muito chateado com ele.</span></span><br />
<div>
<span style="font-family: "verdana"; font-size: 85%;"><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Subi para o meu quarto, abri a janela para respirar um pouco pior e percebi que havia um pombo andando no umbral.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">O olhar terrivelmente ameaçador do pombo deixou bem claro que aquela era a Morte, e estava ali para me levar embora. Um frio subiu minha espinha e falei com o pombo.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">“Pombo terrível e impiedoso, que está aí, a ciscar, sei que és a morte, e veio me buscar. Procure algo mais valioso , porque não vai passear? Me deixe aqui e vá assombrar outros umbrais”</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">E o pombo respondeu “Nunca mais!”</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">“Pombo, estou tão cheio de vida, não é hora da minha partida. Por que não vai visitar os moribundos nos hospitais, ou os fetos nos esgotos, boiando nos canais?”</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">E o pombo respondeu “Nunca mais!”.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">“Pombo,pássaro malévolo, se esse é o meu fim, nada posso fazer. Mas talvez isso você possa me dizer, por que a morte é você, entre tantos outros animais, que são mais legais?”</span><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">E o pombo respondeu: “Mas você é chato pra caralho hein!” .<br />E saiu voando.</span><br /><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Tudo aquilo me deixou muito cansado. Fechei a janela e coloquei meu pijama, já estava na hora de dormir.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Deitei no tapete e me cobri com a cortina. Estava tudo muito confortável.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Agora havia mais alguma pessoa batendo na porta, junto com meu filho. Logo seriam vários. Bando de mentirosos. Já sabia o que iria acontecer, eles iam me segurar e me dar alguma injeção, aí eu acordaria amarrado em uma cama. Começaria a me debater pra sair, então viria uma enfermeira e me daria outra injeção. Só iriam parar quando eu concordasse com tudo que eles dissessem. Por que me tratam assim? Só porque eu sei que eles mentem?<br />Eles precisam fazer isso? Eu só quero um pouco de paz.</span><br /><span style="color: rgb(153 , 153 , 153);">Comecei a me sentir muito triste e decidi não pensar nisso.<br />Virei para o lado, fechei os olhos, soltei um longo suspiro e morri.</span></span></div>
♦ Rafael Saleshttp://www.blogger.com/profile/03913288993802626432noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-27276817517671791062009-10-05T16:58:00.000-07:002009-10-06T08:21:00.632-07:00UTI<span style="color: rgb(102, 102, 102);font-size:85%;" ></span><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-size:85%;" >♠ Rodrigo Bersogli</span><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Rita estava cansada. A palidez de seu rosto contrastava com o quarto lúgubre, mergulhado num silêncio sepulcral. Aliás, sepulcral era a palavra que melhor definia o ambiente: Vivendo naquele quarto ela se sentia encerrada em um mausoléu do qual não podia fugir. Conectada a aparelhos, ela não conseguiria ir muito longe.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Ela mal podia se recordar de quanto tempo estava ali. Muito menos conseguia imaginar quando sairia de vez. Horas, dias, semanas, meses, anos... Que diferença fazia? O mundo lá fora já tinha aprendido a viver sem ela. E cada vez mais ela se sentia distante desse tal mundo. Será que ele existia mesmo?</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Ligada a aparelhos o tempo todo, ficava difícil saber o que era real e o que era ilusão. Tudo o que sabia eram as notícias que lia, e a cada dia que passava acreditava menos nelas. Se ela não podia ver pessoalmente tudo o que noticiavam, como teria a certeza de que aquilo era factível? Rita havia perdido a capacidade de acreditar na maioria das coisas. Principalmente porque essas coisas eram escritas por pessoas. E se havia algo em que ela definitivamente não acreditava era nas pessoas.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">No começo, ainda recebia visitas de amigos. Não eram raras às vezes em que pessoas iam até ela para conversar e tentar reavivar o ânimo de antes, mas era sempre <st1:personname productid="em vão. Rita" st="on">em vão. Rita</st1:personname> não se empolgava com a companhia dos outrora amigos, e eles se afastaram dela gradativamente. Aos poucos sobrou apenas sua mãe, que preparava sua comida e cuidava de suas coisas. Mas nem mesmo a genitora suportava mais aquela situação, e seus acessos de raiva eram tão comuns quanto seus surtos de impassibilidade. O estado semi-letárgico de Rita foi deixando até sua própria mãe distante. Algo inevitável face à situação.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Rita olhou para o calendário. Era sábado e a temperatura estava agradável. Malditos aparelhos! Porque ela não podia simplesmente se livrar de tudo aquilo e sair correndo para a rua, andar no parque, comer besteiras, encontrar os antigos amigos, escolher roupas... Mas olhou para sua frente e encarou a fria, sólida e eletrônica realidade: vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana os equipamentos ficavam ligados, piscando, olhando para ela. Aquela máquina era seu capataz. Mas, como Zumbi, ela queria fugir daquela senzala e fundar seus quilombos em terras mais ensolaradas.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Não suportava mais a clausura. Sentia-se sufocada, presa. O tique-taque do relógio soava como passos em marcha, pesados, militares, inabaláveis. E vinham para pegá-la, cruéis soldados do exército do Tempo que não poupavam vidas pelo caminho, tampouco demonstravam piedade com seus prisioneiros. Condenados, sempre. O que significava a vida se não enfrentássemos cada soldado-minuto dessa guerra? O que ela queria mesmo era sair dali. Precisava experimentar o mundo lá fora novamente, mesmo sem saber o que iria encontrar, nem se iria sobreviver. Mas estava farta e sentiu que aquela era a hora de dar um ponto final naquilo, mesmo que o ponto final não desse margem a um novo parágrafo.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Levantou-se com certa dificuldade, pois suas costas há muito doíam e incomodavam. Respirou fundo o ar carregado e quente do quarto e fitou os equipamentos: Máquinas vorazes, e por um breve momento Rita não tinha mais certeza se aqueles aparelhos tinham mantido-a viva ou a fizeram morrer lentamente. Era exatamente isso que ela queria descobrir. Então puxou o primeiro fio. Depois, o segundo. Arrancou todos os cabos com extrema vivacidade. Estranhamente se sentiu mais leve, solta. Empolgou-se, foi desplugando tudo e, como se não houvesse amanhã, atirou com violência os equipamentos ao chão. Era como se estivesse possuída, mas ela se sentia de maneira oposta: Livre, totalmente livre, como se a possessão, de fato, fosse ter ficado presa aos aparelhos. Sentiu-se exorcizada e continuou arremessando os equipamentos ao chão, até quebrar peça por peça. Depois, abriu a porta do quarto e saiu correndo.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;">Sua mãe, que tinha ouvido o escândalo da quebradeira, dirigiu-se aflita ao quarto e mal conseguiu reagir quando viu Rita passar correndo por ela, parar no corredor, voltar, dar-lhe um sonoro e estalado beijo na maçã esquerda do rosto e continuar sua carreira inabalável em direção à rua. Sua surpresa só foi maior quando entrou no quarto e viu, espalhados pelo chão e destruídos, os malditos aparelhos que haviam feito sua filha refém por tanto tempo: Monitor, teclado, modem, CPU, mouse e toda a sorte de parafernálias de informática.</span></p><div style="font-family: arial; text-align: justify;"> </div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;font-family:arial;"><span style="font-size:100%;"><o:p> </o:p></span></p> <span style=";font-family:arial;font-size:100%;" >Definitivamente, uma UTI.: Utopia Tecnológica Isolacionista</span><span style="font-family:arial;"> </span>♠ Rodrigo Bersoglihttp://www.blogger.com/profile/09730173782172326076noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-19141918205517749082009-10-02T06:38:00.000-07:002009-10-02T06:44:41.031-07:00Ana e eu - Encontro.<p style="color: rgb(51, 51, 51);" class="MsoNormal"><span style="font-size:85%;">♣Victor Marques.<br /></span></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><br /></p><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Uma bela manhã de sábado me acordou com o sol entrando pela janela do quarto que ficara <span style=""> </span>aberta. Fui fechá-la para tentar dormir um pouco mais, mas ao me levantar, senti algo a mais na minha cama. Sim, era uma pessoa. Ao descobrir a dita cuja, vi que era uma mulher, menos mal.</p><div> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">A questão era, como ela veio para ali? A minha ressaca respondia a questão. Era estranho, ela era relativamente bonita, e eu estava em um estado deplorável, ainda mais se levar em consideração que a conheci em um momento de bebedeira.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Não sabia seu nome, nem sua idade e muito menos de onde era e como viera parar aqui! Mas tudo bem, isso seria respondido em breve. Ao me levantar pisei em uma embalagem de preservativo vazia, também não sabia se havia feito sexo direito. Aliás, não sabia nem se o tinha feito.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Não consegui mais dormir, fui ao banheiro para tomar um pouco de água da pia e urinar. Fui à cozinha e vi que não tinha nada para comer. Ela certamente acordaria com fome também. Revirei os bolsos de minha calça e achei o suficiente para comprar uma refeição para dois. Já que ia sair, precisaria avisá-la que voltaria em breve, mas como avisar alguém que eu não sei nem o nome?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Deixei o seguinte bilhete:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">“Querida, fui comprar alguma coisa para comermos. Obrigado por ontem, foi ótimo.”</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">E deixei isso ao lado do travesseiro antes de sair. Quando ganhei a rua, vi um carro estacionado na porta de casa, muito estranho, eu não tinha carro. Talvez fosse dela, talvez fosse de qualquer um que não achou vaga para estacionar na rua principal.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Demorei cerca de meia hora no restaurante perto de casa, montei dois pratos generosos com lasanha, frango, alguns pasteizinhos, carne com molho madeira e um pouco de arroz, caso ela não gostasse de lasanha. Ainda sobrara o suficiente para o cigarro, ótimo.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Quando voltei, ela estava sentada na sala com uma camiseta minha, fumando um cigarro meu e assistindo a minha televisão, como se estivesse em sua própria casa.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Ela me cumprimentou com um caloroso beijo. Fiquei sem jeito de perguntar qual era o nome dela, não o era preciso, nós nunca chamamos ninguém pelo nome mesmo. Mas ela o fez, perguntou o meu.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Victor -respondi -e o seu?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Ana.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Dormiu bem?- perguntei com intuito de saber como havia sido minha desenvoltura.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Poderia dormir mais realizada.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">“Vaca do caralho!” Pensei comigo.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Comprei comida para nós.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Ah, que bom, estou morrendo de fome e talvez não tenha dinheiro para comer.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">“Alem de vaca é uma miserável do caralho”.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Aquele carro parado na porta é seu?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-É sim, não se lembra de como chegou em casa ontem?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Pra ser bem sincero, não, não lembro nem como conheci você.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Acontece...</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Vou vestir alguma coisa mais confortável.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Faça como eu, tome um banho também.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">“Alem de vaca, miserável, é uma folgada do caralho”.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Entrei no quarto para pegar uma toalha e uma troca de roupa. Surpreendentemente as roupas sujas estavam em um cesto, a cama arrumada, a roupa limpa dobrada, os livros e discos na estante, os cinzeiros vazios, tudo na mais plena ordem.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">A minha maior dúvida não foi como aquela bagunça ficou daquele jeito, claro que ela havia arrumado tudo, a questão era, como ela arrumou tudo tão rápido? Muito misteriosa essa mulher, mal comecei a escrever e já usei interrogações demais. Bom, resolvi parar de pensar naquilo e fui tomar meu banho calmamente.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Tem café na geladeira, se você quiser fazer, a cafeteira está na primeira gaveta.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Ótimo, farei um café para nós.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Ao sair do banheiro, não a vi na sala, ela estava na cozinha me esperando com uma xícara de café. Havia arrumado a cozinha também, lavou toda a louça, trocou a toalha de mesa e etc.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Você deveria cuidar melhor da sua casa, está tudo uma zona!</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-É, eu sei.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Nada que eu não possa arrumar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Obrigado, mas não sei se é uma boa idéia.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Claro que é, má idéia é morar nesse chiqueiro.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Você mora onde?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Com minha avó.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Entendi.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Até que não seria ruim um pouco de arrumação, ainda mais feita por outra pessoa. Conversamos um pouco, ela fazia faculdade de psicologia, falava alemão, já morara na Bélgica e na Ucrânia e além de tudo isso, trabalhava em um excelente bar no centro da cidade. “O emprego não é dos dez mais, bêbados dão em cima de mim sempre, como você fez ontem” ela disse, mas usava a desculpa de que ajudava a pagar a faculdade e outras despesas, a avó dela cobrava aluguel!</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Bom, quer almoçar?- perguntei.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Claro!</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Fizemos uma refeição silenciosa, ambos comemos muito bem. Quebrei o silêncio:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Quer que eu faça outro café?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Não, eu faço.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Eu faço, o seu é fraco.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Tá bom então, faça você.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Fiz um café bem forte, apenas respondendo as suas pergunta, em pouco mais de cinco minutos ela sabia da minha vida inteira, também era fã de interrogações.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Você vai sair hoje?- ela perguntou.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Acho que não, talvez compre algumas cervejas e fique em casa.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Ótimo, hoje é minha folga, vamos alugar uns filmes, eu levo você até o supermercado de carro e você compra alguma coisa para a janta.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Está bem.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Não era minha idéia passar a noite com visitas, mas uma companhia feminina parecia interessante, resolvi não me opor àquilo. Ela talvez tivesse algum dinheiro para ajudar a pagar algumas cervejas.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Fizemos uma digestão preguiçosa, sentamos na sala e lá ficamos a tarde toda, sem fazer nada, a única coisa que fizemos foi lavar a louça do almoço.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-A minha folga veio bem a calhar hoje, posso passar mais uma noite com você, não sei porque, mas gostei de você.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Obrigado, você também é legal.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">A hora passou rápido , partilhávamos de vários gostos, tínhamos bastante assunto para passar alguns dias juntos. Apesar dos contatos físicos não serem dos melhores, a conversa era boa e ela era bonita.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Bom, acho melhor irmos comprar alguma coisa para comer e pegar os filmes que você sugeriu. –propus.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Sim, é bom mesmo.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Quando deixamos a casa, descobri um de seus defeitos, ela dirigia extremamente mal, mas chegamos vivos ao mercado.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Quantas cervejas você toma? –perguntei.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Umas seis. –ela me respondeu me estendendo uma nota de vinte.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Não demoro.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Despedimo-nos com um breve beijo e lá fui eu ás compras. Comprei uma bandeja de carne moída, um litro de leite, farinha, tomates e uma caixa de cerveja com dezoito latas. Gastei mais do que deveria, esperava fazer um bom investimento com Ana.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Voltei ao carro e lá estava ela, do lado de fora, fumando um cigarro e com o som do carro muito alto, ouvia Motörhead, o que me fez gostar mais dela ainda. Ao entrar no carro trocamos mais um beijo e seguimos à locadora. Deixei os filmes ao critério dela.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Foi uma ótima idéia, ela voltou com filmes ótimos, ‘Má educação’e ‘Poderoso chefão’. Voltamos até minha casa e eu fui à cozinha para pôr a cerveja na geladeira e preparar algumas panquecas.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Jantamos e assistimos aos filmes. Tomamos mais umas cervejas e fomos dormir. Dormimos juntos, como um casal que está casado a vinte anos, apenas trocamos beijos de boa noite e dormimos abraçados, nada além disso.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Acordamos tarde no domingo, enquanto eu lavava o rosto ela arrumou a cama. Comemos as sobras do jantar, tomamos mais uma cerveja e ela disse:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Nossa, olha a hora, preciso trabalhar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-OK, deixe seu telefone que eu te ligo para repetirmos o programa.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Você não precisa do meu telefone.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Você quem sabe.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Passei o domingo solitário, assistindo os tradicionais programas de auditório e tomando as cervejas que sobraram. Nada como um domingo de paz depois daquele estranho ocorrido.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">Por volta de onze horas, quando estava lendo um livro deitado na cama, pronto para dormir, a campainha toca. Tive uma surpresa ao abrir a porta, lá estava Ana, com uma mala na mão.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Voltei.</p>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-55641938622110377842009-09-29T10:25:00.000-07:002009-10-05T19:38:31.055-07:00Tortura<span style="color: rgb(51, 51, 51);font-family:trebuchet ms;font-size:78%;" ></span><br /><span style="color: rgb(51, 51, 51);font-family:trebuchet ms;font-size:78%;" >♦ Rafael S.M.F.</span><br /><br /><div align="justify"><span style=";font-family:verdana;font-size:85%;" ></span></div><div align="justify"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-family:verdana;font-size:85%;" >Vinte e cinco anos de tormento. Ele não agüentava mais. Derramava-se sobre o sofá em frangalhos da sala. Seu corpo gordo espalhava-se como uma geléia. As roupas estavam reduzidas a farrapos sujos. Andrajos. Chegara ao fundo do poço.<br />Segurava a arma com as duas mãos, como se fosse um objeto único e sagrado. Observava as paredes da sala escura, completamente sujas, manchas de umidade desciam do teto até metade delas. Às vezes, ele ficava identificando as figuras mais variadas nessas manchas. Talvez ele pudesse esquecer a realidade que o oprimia com esse estúpido passatempo. Sempre fora um garoto deprimido e introvertido. Acreditava que, de certa forma, o mundo inteiro estava contra ele. Todos preparados para atacá-lo assim que pusesse os pés na rua. Mas os últimos dias haviam sido especialmente estranhos e ele não tinha certeza do que passava em sua cabeça. Não tinha certeza do que queria, ou deveria fazer. Mas sabia que aquele era o limite. Havia atingido o ponto sem volta.Fachos de luz que saiam da janela, entre os espaços de um lençol que servia de cortina improvisada, e iluminavam toscamente a decadência que se alastrava ali - nos móveis velhos e empoeirados, no lixo espalhado pelo chão e nele próprio. Observando essa condição lamentável, um nome não parava de latejar em sua cabeça. </span></div><div align="justify"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-family:verdana;font-size:85%;" ><em>Fernanda</em>.</span></div><div align="justify"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-family:Verdana;font-size:85%;" ></span></div><div align="justify"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-family:verdana;font-size:85%;" >Um som muito vago de crianças que brincavam na rua invadia o recinto. Aquilo o feria imensamente. A maioria das pessoas vê nas crianças a pureza do ser humano, sem maldade e sem rancor, mas ele via a mais grotesca e pura perversidade - verdadeiros demônios - ele sabia muito bem o que as crianças eram capazes de fazer para humilhar alguém. Suas piores lembranças da infância eram de quando estava na escola.<br />Seu nome, Gusmão, já era suficiente para algumas gozações, mas ainda era pouco.Gusmão sempre fora muito branco e gordo, seu nariz era grande como uma batata, seu cabelo muito crespo e - como se já não bastasse - nunca foi muito inteligente, ao ponto de até alguns professores zombarem de seus erros.O fato de não ter conhecido seu pai também lhe rendera outras brincadeiras de mau gosto e, sendo assim, passou toda a vida escolar sendo vítima de todos os alunos. Comentários realmente cruéis não o poupavam, e ele nunca tinha coragem de revidar.Na hora do recreio os garotos faziam dois grupos e empurravam-no com toda força de um lado para o outro. Ele não conseguia se equilibrar, lutar, ou fugir. Xingavam sua mãe dos nomes mais escabrosos. Algumas pessoas não suportariam saber como seus atos podem influenciar a vida e a mente de alguém. Algo nos pátios das escolas revela a natureza terrivelmente cruel da maioria dos seres humanos.Na adolescência, os poucos que antes sentiam pena de toda aquela humilhação, agora também participavam da brincadeira. As garotas faziam falsos convites que o iludiam e os garotos arrumavam brigas sem motivo, só pelo prazer de espancá-lo.</span></div><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-family:verdana;font-size:85%;" ><div align="justify"><br />Enquanto ele permanecia sentado ao sofá, as lembranças ficavam cada vez mais claras. Corroíam sua mente como vermes. Gusmão tentava se desvencilhar daquilo, esquecer tudo. Esquecer que havia passado ou futuro. Ficaria feliz se tivesse que pensar apenas nos desenhos dos fungos nas paredes. Sua angústia doía no peito e ele apertava a arma com mais força, contemplava-a, era sua única salvação. Mas aquela figura, de repente, aparecia novamente em sua memória e o torturava ainda mais. Pulsava como uma ferida hedionda.</div><div align="justify"><em>Fernanda.</em></div><em></em><div align="justify"><em><br /></em>Ela era sua vizinha. Sempre foi a típica garotinha bonita e estudiosa que, com o tempo, se transformou numa mulher linda de corpo escultural. Um corpo santo e intocável aos olhos dele.Gusmão era apaixonado por ela. Daria a vida por ela e, sabendo disso, ela se aproveitava disso para humilhá-lo. O pobre garoto feio, gordo e burro apaixonado pela princesinha da rua, uma verdadeira piada.<br />Os gritos das crianças na rua o trouxeram de volta ao presente. Olhou mais uma vez para a arma em sua mão. Ele a encontrou no meio das coisas da mãe, dias antes, logo depois que ela morreu. Ela sempre teve a saúde frágil, mas Gusmão acreditava que ela tinha morrido de desgosto. Acreditava que as frustrações a oprimiram tanto que ela não conseguiu suportar.E isso o fez pensar nas próprias frustrações. Não lembrou um dia em sua vida que houvesse uma felicidade completa. Como isso era possível? Não saber o que é dar uma boa risada, uma risada sincera.<br />Ele olhava a arma cada vez mais obcecado. Era hora de por um fim a tudo aquilo. Os últimos dias haviam sido demais para ele. Queria um fim. Um fim rápido.O que aconteceria no dia seguinte? Encontrariam o corpo ou nem se importariam em procurar? Será que iriam tentar entender o que aconteceu? Iriam entender porque ele fez aquilo? Aquele era o momento. Agora ou nunca!Gusmão olhou a sala em sua volta e levantou. Nunca sentira tanta determinação como naquele momento. Foi até o seu quarto, abriu a porta com violência e apontou a arma para a parede do outro lado do cômodo - contemplou a cena que via ali.</div><div align="justify"><br />Fernanda estava amarrada em uma cadeira. Os nós eram tão mal feitos que uma pessoa mais forte conseguiria sair sem problemas, mas ela estava muito fraca e debilitada, não oferecia mais nenhum tipo de resistência. Hematomas cobriam todo seu rosto, uma mordaça empurrava tantos pedaços de pano para dentro de sua boca que ela respirava com extrema dificuldade. Uma mancha vermelha crescia pouco a pouco entre suas pernas e pingavam em uma pequena poça que começava a se formar no chão. Ela não desejava mais fugir dali, queria apenas morrer logo. Os três dias naquele quarto foram o suficiente para fazê-la desistir de tudo na vida.Gusmão continuava apontando a arma em direção a ela. Pensou em milhares de coisas para dizer. Pensou em dizer que o sofrimento físico que ela teve naqueles dias não foi nada comparado à tortura mental que ele havia sido submetido desde a infância. Pensou em dizer todas as vezes que ele chorou por causa dela, e de todas aqueles demônios que andavam com ela, aquelas pessoas com suas brincadeiras grotescas. Tentou explicar que tudo aquilo era apenas um reflexo de uma mente perturbada e ela colaborou com aquilo. Mas ele não conseguiu dizer nada.</div><div align="justify"><br />Apertou o gatilho, três vezes.</div><div align="justify"><br />Um tiro acertou a testa, um o pescoço e outro o peito. A cabeça tombou para o lado e os ferimentos esguichavam sangue como vazamentos de esgoto no chão da rua. Foi a imagem que apareceu em sua mente, um vazamento de esgoto.Gusmão pensou em jogar a arma no chão, mas guardou-a debaixo da camisa. Foi até a porta da rua e saiu. O sol estava forte, devia ser mais de meio dia. Tudo parecia demasiado claro e colorido pra ele. O ar parecia mais leve. Sentia-se estranho. Sentia-se... satisfeito.<br />Ele caminhou pela praça ao lado de sua casa e seguiu a avenida. Um sorriso discreto crescia em seu rosto. Sabia que acabara de cometer uma grande atrocidade, mas não se importava.</div><div align="justify">Observava os prédios comerciais em sua volta e imaginava as pessoas sendo torturadas lentamente até o fim enquanto trabalhavam. Ele não estava totalmente errado, e sabia disso.</div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">As crianças na rua o fizeram lembrar por um momento daqueles tormentos do passado. Lembrou de Fernanda, amarrada e morta em sua casa. Abriu um grande sorriso, enquanto olhava as crianças e tirava a arma debaixo da camisa.</div></span>♦ Rafael Saleshttp://www.blogger.com/profile/03913288993802626432noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-8555405819937667192009-09-26T08:12:00.000-07:002009-09-28T09:44:59.913-07:00Confabulando com Marvin pt. II & III<div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:100%;"><strong>PARTE 02 - SUÉLEN.</strong><br />Acordar na segunda-feira às seis horas da manhã nos trás um sentimento similar à uma tortura medieval. Eu, felizmente nunca fui submetido à este tipo de tortura, mas acredito piamente que a sensação de estar sentado diante de uma Donzela de Ferro seja muito parecida com que estou sentindo agora.</span></div><span style="font-family:arial;font-size:100%;"><div align="justify"><br />Um banho gelado ajuda a acordar de vez.Tomei o meu café na sala, assistindo ao telejornal, fiquei surpreso com tanta notícia boa. </div><div align="justify"></div><div align="justify">Desliguei a TV, acho que amanhã assistirei alguns desenhos animados.<br /></div><div align="justify"></div><div align="justify">A caminho do trabalho eu a encontrei, Suélen, a loira da casa 67. Como meu velho pai costumava dizer, um mulherão.<br /></div><div align="justify">- Oi, Melvin... bom dia!- Muito melhor agora, Suélen!<br />Ela é do tipo que os homens costumam chamar de "gordinha gostosa".<br /></div><div align="justify">(Tanta carne! E eu aqui, roendo osso...)</div><div align="justify"><br />- Está indo para o trabalho?</div><div align="justify">- É né, vamos ajudar alguém a enriquecer.</div><div align="justify">- Haha! Sempre bem humorado...<br /></div><div align="justify">Se ela soubesse como está meu humor...<br /></div><div align="justify">- Acho que descobri isso em algum livro de auto-ajuda.</div><div align="justify">- Ah! Você também lê esses livros?<br /></div><div align="justify">E agora, o que eu faço? Digo à ela que acho esses livros uma verdadeira perda de tempo, e que não ajudam niguém além de seus próprios autores, que ganham a vida tentando dizer às pessoas como sorrir, ou tento agir politicamente e digo que aprecio muito este tipo de "entretenimento"?<br /></div><div align="justify">- O que você faz na rua à este horário?</div><div align="justify">(Sim, achei melhor mudar de assunto)</div><div align="justify">- Caí da cama, acredita?<br /></div><div align="justify">Conversando com Suélen, me senti um pouco melhor, e por um motivo ambíguo, porque ao mesmo tempo em que eu a desejo, considero-a uma porta. Algumas pessoas que nascem em berço de ouro têm esta tendência, talvez por não terem lutado o suficiente, talvez por darem menos valor ao que são, mas eu te pergunto, e você, daria devido valor?<br /></div><div align="justify">- Melvin, estou lendo um livro ótimo!</div><div align="justify">- Qual livro?</div><div align="justify">- Maria Dolores<br /></div><div align="justify">(putaqueopariu!)<br /></div><div align="justify">- E do que se trata?- Ah, é um drama lindo sobre uma mulher que entra em depressão por causa de uma unha encravada.<br /></div><div align="justify">(Franz Kafka se contorce no túmulo)<br /></div><div align="justify">- Nossa, que trágico!<br /></div><div align="justify">Eu sinceramente gostaria de me divertir e me emocionar com coisas tão ridículas, acho que já fui assim um dia.<br /></div><div align="justify">- Olha, Suélen eu gostaria de ficar aqui conversando contigo sobre a Maria Dolores (argh!) mas estou atrasado para o trabalho, vamos combinar de nos encontrarmos no final desta semana, ok?<br /></div><div align="justify">Ela disse que sim, claro! Mas o que é CLARO, é que não vamos nos encontrar mesmo. Se bem que, se for para ficar conversando sobre Maria Dolores, prefiro ficar em casa lendo algo mais construtivo, como Charles Bukowski.<br /></div><strong></strong></span><div align="justify"><span style="font-family:arial;font-size:100%;"><strong>PARTE 03 - REENCONTRO.</strong><br />No trabalho as coisas foram como sempre, aquela rotina cansativa, aquela falsidade com os colegas e por aí vai.<br />Quando cheguei em casa, me surpreendi com o cheiro de cerveja que estava instalado definitivamente na sala, ontem eu derrubei nada menos do que três latas e não movi um músculo para limpar, a bebedeira e toda aquela estória da barata me impediram.</span></div><span style="font-family:arial;font-size:100%;"><div align="justify"><br />Falando em barata, ontem aquela filha da puta me xingou.(ainda "não acredito que estou acreditando" nessa estória).</div><div align="justify"></div><div align="justify">- BARATA, ESTÁ AÍ?!(me sinto o pior dos seres humanos gritando isso).<br />- Não precisa gritar, estou aqui, bem atrás de você!<br /></div><div align="justify">Pelo menos agora não posso culpar a bebida.<br /></div><div align="justify">- Cara, não me chame de barata, por acaso eu fico lhe chamando de homem, ou de ser humano? Eu tenho nome!</div><div align="justify">- Que curioso, baratas também têm nome. Qual é o seu?</div><div align="justify">- Marvin, e o seu?</div><div align="justify">- Melvin.<br /></div><div align="justify">Alguém aí já conversou com uma barata ou com algum inseto?<br /></div><div align="justify">- Há quanto tempo você vive aqui? Perguntou Marvin.</div><div align="justify">- Eu é quem pergunto isso para você, afinal de contas, a casa é minha!</div><div align="justify">- Melvin, estou há pouco mais de duas semanas, sou uma barata de esgoto, mas achei este lugar um pouco mais aconchegante.</div><div align="justify">- Ah, obrigado! É bom saber que minha casa não é similar a um esgoto.</div><div align="justify">- E hoje, vai ter cerveja?<br /></div><div align="justify">Duas semanas na minha casa e até a barata está bebendo, será por isso que meus parentes não vêm me visitar?<br /></div><div align="justify">- Não costumo beber às segundas.</div><div align="justify">- Ah! Corta essa, sente aí e vamos conversar, afinal de contas, agora moramos juntos.<br /></div><div align="justify">Não resisti à este convite tão excêntrico, não é todo dia que temos a oportunidade de tomar uma cerveja ao lado de uma barata tão simpática.<br /></div><div align="justify">- Marvin, como você deve ter percebido, estou perplexo em estar conversando com uma barata.</div><div align="justify">- Sim, uma barata americana, da espécie Periplaneta Americana.</div><div align="justify">- Vivendo e aprendendo, uma barata americana, só falta começar a falar em inglês agora!</div><div align="justify">- Do you really want to talk in english?</div><div align="justify"><br />(putaqueopariu!)<br /></div><div align="justify">- Me fale um pouco de você, é comum as baratas se comunicarem desta forma?</div><div align="justify">- Não sei, cara! Eu tomei a coragem de falar com você, pois estou vivendo sozinho aqui, depois que saí do esgoto e abandonei minha família e amigos, passei a pensar demais na minha vida e na vida das baratas, eu já não sei quanto tempo de vida eu tenho, geralmente as baratas de minha espécie têm um ciclo de vida que gira em torno de 265 dias.</div><div align="justify">- Entendo.</div><div align="justify">- Então eu resolvi fazer diferente, ao invés de fugir dos seres humanos, por que não tentar se envolver com eles? E eu vi em você um cara ideal para tentar uma aproximação, tem mais cerveja aí?<br /></div><div align="justify">Fui à geladeira e enchi novamente a tampa de garrafa, de onde Marvin degustava aquela cerveja gelada, era difícil de encher a tampa, e a barata era exigente, ainda queria sem colarinho.</span></div>♥ Vitor Furiosohttp://www.blogger.com/profile/18257257170124117416noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-55154198677872040682009-09-23T06:43:00.000-07:002009-09-23T07:14:00.081-07:00Filosofia de Privada<div style="text-align: justify;"><span style="color: rgb(102, 102, 102);font-size:85%;" >♠ Rodrigo Bersogli</span><br /><br /><div style="text-align: justify;"><span style="font-family:arial;">20h47. O horário do expediente já havia há muito se encerrado, mas Araújo ainda estava no escritório. Era uma quarta-feira, e ele precisava fechar um balanço contábil urgentemente.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Funcionário dedicado, exemplar. Almejava há muito tempo uma promoção, e agora que percebia a iminência de consegui-la, não podia fraquejar. Havia se colocado à disposição para fechar o tal balanço, e nada iria impedi-lo. Nada. Nem mesmo as três horas que já estava dedicando além do seu horário habitual.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">O trabalho em si não era difícil, mas exigia do contador uma atenção acima do normal. Qualquer erro poderia comprometer o resultado do balanço, e isso era tudo o que ele não queria. Precisava mostrar eficiência ao Seu Constantino, o dono do escritório. Se conseguisse aquela promoção, boa parte de seus problemas financeiros estariam resolvidos. Portanto, não havia tempo para descanso. Sabia que mais uma hora ali e tudo estaria pronto, como planejara.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">O escritório estava absolutamente vazio. Todos os outros funcionários haviam ido embora às 17h30, como de costume. Araújo se sentia ainda mais livre para trabalhar sem toda aquela gente falando ao seu redor, e essa sensação de liberdade o fazia produzir mais e melhor. Havia até tirado os sapatos e afrouxado o cinto, e estava espantado com o progresso que tinha feito com o balanço. Era incrível como se sentia bem ali, sem a presença de todos. Sem a pressão cotidiana. Sem o telefone tocando irritantemente, sem o Seu Constantino esbravejando a todo o momento, sem o Souza lamentando sua falta de sorte com as mulheres que conhecia via internet. Aquele silêncio era revigorador.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Sentia-se em casa. Afinal, passava mais tempo ali, enfurnado naquele escritório, do que em sua própria residência. Expedientes de 12, 13 horas por dia haviam se tornado rotina para ele nesses últimos meses. Passara sábados e feriados também ali em algumas ocasiões, mas não reclamava. Tinha um emprego que lhe pagava aluguel, comida, telefone, internet, água e luz. Custeava também sua cerveja e encontros com mulheres, afinal ele não era de ferro. Ninguém era. Aquele salário não era dos melhores, mas bancava sua vida, sem maiores luxos.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Estava tão à vontade que resolveu ir ao banheiro antes de terminar o trabalho. Uma boa cagada, um cigarro e um pouco de água no rosto o deixariam novinho em folha para acabar de vez com o maçante balanço. Não pensou duas vezes: Calçou seus sapatos, pegou um cigarro no maço e dirigiu-se para o pequeno banheiro unissex do escritório.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Fumar ali no banheiro era proibido, mas quem se importaria naquele momento? Estava lá, sozinho. Bastava deixar o vitrô aberto que o cheiro se dissiparia durante a noite. Ele sabia, já havia feito isso muitas vezes. Portanto, logo ao sentar no vaso, já sem calças, acendeu o cigarro e deu uma longa tragada, como se pudesse queimar todos os papéis do maldito balanço com aquela brasa. </span><br /><br /><span style="font-family:arial;">'Foi uma boa cagada', pensou. Estava aliviado e pronto para terminar o serviço. Limpou-se, vestiu as calças e deu descarga, mandando tudo por água abaixo, inclusive a bituca do cigarro. Lavou o rosto longamente, se ajeitou na roupa e empurrou a porta para sair. Nada. Não se moveu. Tentou forçar a maçaneta para cima e para baixo, mas a porta permaneceu fechada. Usou mais força e tentou empurrar novamente, mas não obteve sucesso. 'Que merda!', exclamou.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Começou a se sentir impaciente. Agitava incessantemente a maçaneta e forçava a porta em todos os sentidos, mas não conseguia abri-la de forma alguma. Esbravejou, chutou, xingou, empurrou. Nada. Estava emperrada. Araújo estava trancado no banheiro, enfim. Não bastava ter de trabalhar até mais tarde, era preciso mais um entrevero para completar sua desventura.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">O escritório localizava-se no 3º andar de um prédio de cinco andares, na zona oeste da capital. Bairro tranquilo, arborizado. O porteiro era o único que ficava lá durante a noite, mas a entrada do prédio era na parte oposta ao escritório. Principalmente ao banheiro, cujo vitrô dava para a rua de trás. Gritar ali não adiantaria, definitivamente. Para decidir o que fazer, o contador sentou-se na privada fechada. Apalpou os bolsos e descobriu que seu celular não estava ali. Havia deixado no bolso do casaco, em sua cadeira. A única coisa que estava em seu bolso era o isqueiro. Droga, nem para trazer o celular ou o resto do maço!</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Precisava fazer algo. Não podia ficar ali a noite toda. Tinha o balanço para terminar, tinha que ir para casa, tinha que sair!</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">O banheiro era minúsculo. Resumia-se a um vaso sanitário ordinário, uma pia, um espelho e azulejos marrons. Um vitrô se erguia na parte traseira, onde havia um cano de chuveiro lacrado. O escritório era um antigo apartamento residencial, e como todos no pequenino prédio, se transformaram em salas comerciais por causa de sua localização privilegiada. Olhando ao redor, Araújo teve uma idéia: Atirar o rolo de papel higiênico para baixo, segurando uma das pontas para indicar a algum transeunte que havia gente ali. A luz estava acesa, e provavelmente era a única no prédio. Seria fácil para alguém identificar aquilo como algo anormal, e havia a esperança de que se alguém visse a cena, pudesse avisar ao porteiro. Era uma tábua de salvação.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Segurando uma das pontas, desenrolou o papel higiênico pelo vitrô e deixou-o rolar para baixo. Não sentiu o peso do rolo na queda, e logo descobriu o motivo: O papel era frágil demais e rompeu-se ao cair. Nesse momento, deveria ter apenas um rolo de papel higiênico barato e áspero rolando pela rua: Seu plano falhara.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Uma fúria tomou conta de sua mente. Atirou-se violentamente contra a porta, e desferiu golpes ininterruptos numa tentativa de derrubá-la. Em vão. Estava emperrada, e Araújo simplesmente não compreendia como aquilo poderia ter ocorrido. Não se recordava de ter batido a porta ao entrar. Como teria ficado trancado ali? Burro, burro, burro! Sentia-se o mais idiota dos seres humanos. Novamente, sentou-se no vaso sanitário fechado e colocou-se a pensar.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">'Maldita hora que aceitei fazer esse balanço', murmurou. Já deveria ser tarde, e ele ainda estava ali. Era hora da novela, provavelmente. Ele deveria estar em casa, jantando e assistindo televisão. Depois, era só passar a roupa e assistir ao futebol tomando uma cerveja. Desde que se separou de Márcia, ele próprio lavava e passava suas roupas. Sobrava pouco tempo para sair com os amigos durante a semana, mas era melhor assim. Havia começado a gostar de ver novelas, apesar de contas. Que mal havia?</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Araújo não se conformava em ter de ficar a noite toda ali. Porque diabos tinha de passar por aquilo? Estava trabalhando tanto, se dedicando... Se pelo menos fosse como a Sandra, entenderia. Sandra havia entrado no escritório muito depois dele, mas já havia recebido duas promoções. Tinha menos conhecimentos contábeis, mas tinha coxas e seios muito mais atraentes. Principalmente para o Seu Constantino, que tentava disfarçar a todo custo que andava traçando aquela gostosa, escondido. Mas para que disfarçar? No fundo, todos sabiam. Araújo já havia perdido uma promoção para ela, mas não tinha como concorrer com aquele corpo. Era a vida, e por isso ele estava ali naquela noite.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Quando começou a trabalhar no escritório, não pensou que as coisas seriam assim. Tudo parecia novo e promissor, e a possibilidade de ter um emprego fixo e formal o deixou animado. Tanto que não ficou decepcionado ao perder a primeira promoção, pois ele ainda tinha seu salário e pagava suas contas. Afinal, não era esse o objetivo? Pagar as contas? Tudo bem que vez por outra não dava para pagar tudo, mas quem conseguia?</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Era engraçado. Estava se dando conta que realmente não tinha tempo para nada, mas estava bem assim. Sentia-se confortável. Mas até que ponto? E o que era o conforto que sentia, afinal? Porque vivendo como estava, não conseguia fazer nada além de trabalhar e cuidar dos afazeres de casa. Como os caras que mudaram o mundo fizeram? Pararam de trabalhar? Deixaram de lavar e passar roupa? Ou eram todos burgueses?</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Será que era por isso que forçavam as pessoas a trabalhar 10 horas por dia ou mais, fora o tempo para estudar ou cuidar da casa? Para evitar que pensassem e mudassem as coisas? Será que esse papo de capitalismo era balela? Que a intenção maior por trás de tanta força de trabalho era esgotar as energias das pessoas de tal forma que elas não pudessem se rebelar contra nada, e não apenas encher o mundo de bens de consumo? Bens de consumo esses que as pessoas passariam 10 horas por dia trabalhando para comprar. Que saco.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Um sorriso discreto e desalentador fora esboçado pelo contador.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Talvez seja por isso que as novelas eram todas no horário onde as pessoas já estavam em casa, comendo ou espalhadas no sofá. Quanto tempo durava cada capítulo da novela? Uma hora? Céus, assistir a novela por uma semana era o equivalente a assistir três filmes! Qual seria o sentido em produzir tantas horas e episódios senão hipnotizar, transformando os telespectadores em zumbis funcionais? Já imaginou o quanto as pessoas poderiam ler, pensar, procurar informações ou mesmo discutir assuntos relevantes se não tivessem a novela ou o futebol para ocupar suas horas? Ele tremeu com esse pensamento.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Mas e os revolucionários? Porque a maioria das revoluções recentes foram feitas por estudantes? Será que era porque eles não tinham nada a perder? É, isso foi antes que eles travassem suas próprias revoluções internas, primeiro com o ICQ, depois com o MSN, Orkut, Twitter... Revoluções onde quem perde é o pensamento produtivo, crítico. Para cada informação relevante que eles procuram na internet, são doze horas de improdutividade coletiva sequencial. E viva a inclusão digital. Não seria isso apenas mais uma novela, mas agora nós mesmos éramos os coadjuvantes?</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Como um cara que tinha de trabalhar duro durante dez horas por dia, fora o tempo que passa no trânsito ou no transporte coletivo, poderia de fato conceber uma revolta? Como fazer alguém nessa situação pensar em mudar tudo, derrubar os alicerces, se ele tinha de se preocupar em acordar às 05h30 para trabalhar? Ainda mais se, depois do trabalho, ele estivesse tão esgotado que a novela, a cerveja, o futebol ou a internet era tudo o que ele podia desejar?</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">A idéia de largar tudo e viver na malemolência não parecia tão ruim. Se a vadiagem era um crime, porque a opressão cotidiana não era? Viver de subsistência, em algum campo ou margem de rio era algo que nunca antes havia imaginado, mas que agora o apetecia. Mesmo debaixo de alguma ponte deveria haver mais dignidade do que ali, naquela rotina. Na pior das hipóteses, poderia sumir para algum canto afastado nos confins do país e ali fazer o seu rincão. Quem sabe assim não se encontraria, de fato? Sentiria falta dos amigos e de certos confortos, mas teria coisas inestimáveis: Paz, tempo e oportunidade de entender melhor toda aquela engrenagem onde todos estavam metidos, cada qual com a sua respectiva rosca e parafuso.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Sem se dar conta, Araújo estava fazendo algo que não fazia há tempos: Estava pensando. Ficar naquele banheiro, trancado, o forçou a fazer algo que ele não conseguia fazer sempre. E não estamos falando sobre cagar. Ele estava, pela primeira vez, tentando entender o mecanismo que o aprisionara. Não, não estamos falando sobre a fechadura da porta. Nesse sentido, a fechadura o oprimia menos do que todo o sistema que estava, de fato, prendendo-o. Foi o establishmet quem o trancou, e não uma porta emperrada. Disso ele estava cada vez mais convencido. Mas como sair de tudo isso? Cedo ou tarde, alguém chegaria ao escritório e acabaria abrindo a porta. Mas e a porta do sistema, quando alguém iria abrir?</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Desejou muito um cigarro. Mais do que o jantar. Tomou água diretamente da torneira da pia e olhou-se no espelho. Sentia-se arrasado. Haviam acabado com ele, com tanto tempo dedicado a uma causa que nem era sua, por sinal. Mas, desde as últimas horas que passou ali, era como se tivesse voltado a ter alguma noção das coisas, de como estava se arrastando para um buraco que todos cavavam e apenas alguns não caíam. Deu um grito, um grito prolongado e visceral, mas não na tentativa de chamar a atenção de alguém. Estava chamando sua própria atenção, coisa que não fazia há anos.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Lentamente, ele adormeceu. Dormiu sentado no vaso, desconfortável e desajeitado. Teve sonhos estranhos: Estava escalando uma montanha com amigos quando, de repente, surgiu uma avalanche e eles saíram correndo. Depois, estava na escola, em sua sala primária, mas com a idade atual. Fugiu da escola diretamente para casa, e quando percebeu, estava nu. Sonhou também que estava à beira de um lago, descalço, pescando. Mas não pegava peixes. Apenas estava lá, à toa. Por muito, muito tempo. E nenhum peixe. Uma profusão de cores e formas reais davam um brilho especial aos sonhos, e ele mal pode acreditar quando ouviu barulhos que o acordaram. Havia amanhecido!</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Esmurrou a porta com todas as forças que possuía. Em instantes, discerniu as vozes do outro lado da porta: Souza, Sandra, Seu Constantino e a faxineira. Como era o nome dela mesmo? Não importa. Gritou e, em poucos momentos, Souza conseguiu desparafusar a antiga maçaneta e destravar a porta. Estava livre!</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Logo que saiu do banheiro, viu o rosto confuso de todos. Ainda atônito, pensou em explicar o que havia ocorrido e esclarecer aquele incidente. Porém, a única coisa que saiu da sua boca foi:</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">- VÃO TOMAR NO CU! ESTÃO OUVINDO? NO CU!</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Rapidamente, pegou seu casaco em sua cadeira. Conferiu o celular: Eram 07h38 da manhã. Nenhuma ligação perdida. Revistou o outro bolso, acendeu um cigarro e dirigiu-se à saída do escritório. Não olhou para trás, apenas bateu a porta com violência sob o olhar incrédulo e descrente de todos.</span><br /><br /><span style="font-family:arial;">Saiu do prédio, comprou uma lata de cerveja na padaria e foi em direção do ponto de ônibus. No caminho, deu uma volta correndo no prédio até a rua de trás, achou o que sobrou do papel higiênico que havia jogado pelo vitrô. Jogou num cesto de lixo e foi embora, a pé. </span><br /></div></div>♠ Rodrigo Bersoglihttp://www.blogger.com/profile/09730173782172326076noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-64357105388115734652009-09-20T18:11:00.000-07:002009-09-20T19:07:05.209-07:00Cerveja para nada.<p class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt; text-align: justify;"><span style="color: rgb(51, 51, 51);"><br /><span style="color: rgb(51, 51, 51);">♣ Victor Marques</span></span><br /></p><div style="text-align: justify;"><br /><br />Uma tarde de sexta como qualquer outra. Nem frio e nem calor de mais, o sol já estava na altura da janela da sala e eu lia qualquer coisa sentado no sofá. A idéia de passar a noite lá me irritava. Estava na expectativa do telefone tocar e ser convidado para tomar umas . Cinco horas da tarde e nada. Mas não tive que esperar muito, um amigo meu me ligou e disse:</div><div> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Victor, vamos tomar umas?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Claro, me encontre em meia hora no Gago.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Estarei lá.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Desliguei. Fiquei feliz, há tempos não via o Gago, ele era o dono do bar que freqüentava, era um sujeito muito boa gente, mesmo sendo evangélico, nos atendia muito bem. Era um sujeito baixo, moreno, passava dos quarenta anos. Seu bar era agradável, apesar de estar sempre imundo e fedendo a gordura. Lá o forte não era a venda de bebidas e sim comida. Talvez por isso fosse tão agradável beber lá. Ele não sabia servir doses, sempre colocava meio copo grande com rum pela metade por uma módica quantia.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Cheguei primeiro, cumprimentei o Gago, ele demorou cerca de cinco minutos para fazer o mesmo, definitivamente ele fazia jus ao apelido. Não precisei nem pedir, ele logo trouxe um Camel e um cinzeiro de metal já muito queimado. Não tardou para que pedisse uma cerveja e uma dose de rum carta ouro com limão, os dois em copos grandes.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Lá veio ele e colocou um prato com o limão e os copos na minha frente. O bar estava vazio. Apesar de não vender muitas bebidas, sempre havia um ou dois bêbados no balcão. O frentista do posto de gasolina próximo estava lá, entornando seu rabo de galo. Também estavam lá alguns pedreiros que jantavam e um casal com duas crianças que ficavam estourando biribas dentro do bar. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Estava sentado perto do banheiro, onde podia ver o bar inteiro, o balcão prateado com uma estufa cheia de torresmos, pés de galinha, coxinhas.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Meu amigo chegou, a cerveja e o rum já estavam pela metade, tomei o rum de uma só vez e fiz o mesmo com a cerveja que restava no copo. Pedimos mais um copo e mais uma cerveja. Brindamos. Acendi um cigarro e coloquei a cadeira sobre seus pés traseiros, para encostá-la na parede. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Após um curto período a mesa estava ficando cheia, já havíamos tomado oito garrafas e não tínhamos pressa e nem pretensão de parar tão cedo. Versávamos sobre tudo, desde o programa evangélico que era exibido na televisão até Gil Vicente. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>O bar estava-se esvaziando, as crianças já tinham ido. Estávamos acompanhados por dois bêbados. De repente entra um casal. Ele já era conhecido da gente, traficava drogas por aqui, mas era inofensivo. Geralmente estava louco com suas próprias drogas. Sua mãe era uma mendiga famosa do bairro. Ela tinha um rosto familiar, mas não me recordava de onde a conhecia. Exibia uma barriga de mãe de sete filhos, uma calça de lycra agarrada, cabelos encaracolados e descoloridos, e sua cara era de puta.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Com sete mesas vazias, eles sentaram bem na que estava do nosso lado, a princípio achei que nos ofereceriam drogas, mas não o fizeram. Pelo contrário, a mulher ficou falando que éramos bonitos e ficou caçando assunto, o que não parecia nos interessar muito.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Posso pagar uma cerveja para vocês?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Claro. Respondi.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-É, hoje é sexta, é dia de beber mesmo, não é?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-É, é sim, vamos beber.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Parece que a cerveja grátis tem outro gosto. Bebemos. </p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Outra?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Por que não?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>E lá estávamos, nós, bebendo de graça, e eles pagando. Após quatro ou cinco garrafas de graça, meu amigo levantou e foi ao banheiro. Ao voltar disse que precisava ir para casa, jogou uma nota de vinte na mesa e disse que era para pagar as que já tínhamos tomado. Continuei lá sentado, bebendo.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Guardei a nota de vinte na carteira e me despedi do meu amigo. O sujeito que acompanhava a mulher parecia não se importar em bancar as cervejas que eu ainda iria beber. Tomei mais umas três ou quatro quando eles pediram ao dono do bar duas doses de vodca e um copo de suco de laranja. A mulher prontamente perguntou:</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-E você, não quer alguma coisa mais forte.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Um rum com limão.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Com coca?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Não, puro.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Eles ficaram um pouco impressionados como bebia aquilo. Depois de duas doses de rum voltei a alternar o rum com cerveja. Até me ofereci para pagar uma cerveja para eles, só para não parecer que queria ficar bêbado as custas deles; Eles recusaram. Ainda bem.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>O sujeito se levantou e disse que ia fumar na rua. Sabia muito bem o que queria, cheirar cocaína. Parece que a mulher sabia muito bem disso. Deveria demorar cerca de meia hora. Disse que o bar não tinha o cigarro que ele fumava e se foi.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Pedi licença para a mulher que não me dei ao trabalho de perguntar o nome. Precisava usar o banheiro. Levei minha mochila comigo para não correr o risco de tomar um golpe. Estava dando uma longa urinada quando senti a porta do banheiro se abrindo atrás de mim. Era a mulher.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Se incomoda se eu ficar um pouco aqui?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Para ser sincero, não, mas talvez demore um pouco para acabar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Não quero usar o banheiro, só vim aqui para olhar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Pois deu azar, estou de costas para você.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Isso não significa que não possa virar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Tem razão, mas quem disse que irei virar?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-E todas as cervejas que eu paguei?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Fico muito agradecido por todas elas.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Só isso?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Não vou trepar com você aqui dentro.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Que tal em outro lugar?</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Não, obrigado, consigo coisa melhor, não achei meu pau no lixo.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Mesmo assim ela ficou atrás de mim até eu acabar. Virei-me antes de fechar a calça, só para não deixá-la a ver navios. Ela observou o gesto calorosamente e começou a retribuí-lo abrindo o zíper de sua calça.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Nem se dê ao trabalho, não quero nada que você possa ter dentro de sua calcinha.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Ela saiu e eu saí bem atrás, o dono do bar nos fitava com uma cara odiosa, mas sabia que eu não havia feito nada, já tinha me visto com outras mulheres bonitas, no fundo ele sabia que não desperdiçaria meu tempo com ela.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Tomei meu último copo de cerveja antes do par da vagabunda chegar. Paguei as que tinha bebido por minha conta e me despedi do dono do bar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Atravessei a rua e caminhei até uma loja de conveniência onde também era cliente, pedi outro maço de cigarros e deixei três cervejas pagas.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Fui tomando vagarosamente, acompanhadas de muitos cigarros, aliviado de não ter fodido aquela piranha no banheiro do bar. Ou em qualquer outro lugar.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Quando eram quase duas da manhã, minhas cervejas já tinham acabado. Olhei para o maço de cigarros, tinha o suficiente. Fui até o balcão e pedi mais duas, uma que pagaria e a outra acertaria no outro dia.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal"><span style=""></span>Sentei-me na mesa do lado de fora e tomei as duas cervejas muito rapidamente. Enquanto estava na metade da segunda observei uma mulher de uns quarenta e cinco anos se aproximando, nunca a tinha visto por ali, não era feia, tampouco bonita, usava uma calça jeans folgada e uma jaqueta preta. Entrou na loja e saiu com uma cerveja. Pediu-me o isqueiro emprestado. Acendi o cigarro para ela e começamos a conversar sobre qualquer bobagem.</p><div style="text-align: justify;"> </div><p style="text-align: justify;" class="MsoNormal">-Posso pagar uma cerveja para você?</p><div style="text-align: justify;"> <span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman";">-Claro. Respondi.</span></div>♣Victor Marques.http://www.blogger.com/profile/16778308650651282499noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-50609391959660378392009-09-17T18:40:00.001-07:002009-09-17T19:50:18.064-07:00Fim<span style="font-size:85%;"><span style="font-family:verdana;"><span style="color: rgb(51, 51, 51); font-weight: bold;font-size:78%;" >♦ Rafael S.M.F</span><br /><br /></span></span><div style="text-align: justify;"><span style="font-size:85%;"><span style="font-family:verdana;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);">O que foi que aconteceu? Por que eu estou no chão? Estou com o rosto colado no asfalto, está muito quente. Vários pés estão se aproximando de mim... Não consigo olhar pra cima...</span></span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >O que é isso? Alguém está gritando. Mais pés estão aparecendo em volta de mim...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Essa é a voz da Renata gritando! Por que você está gritando? Eu não consigo falar nada. Alguém me explique o que está acontecendo, por favor! Não consigo me mexer nem falar!</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Alguém está me pegando pelo ombro e me virando pra cima. Meu Deus! O Sol está terrível hoje. Não consigo enxergar...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >O rosto de Renata surge sobre mim, tapando a luz do Sol. Ela está em prantos, desesperada. Está gritando, mas não consigo entender o que diz.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Os meus olhos aos poucos estão se acostumando com a luz, agora reconheço a rua.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Os rostos estão tomando forma - muitas pessoas - porque elas estão me olhando?</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Estou me lembrando agora, estávamos saindo do shopping e estávamos brigando. Não lembro o motivo, mas faz tempo que brigamos por tudo. Assim são os casais, não suporto muitas coisas nela, mas prefiro ficar com ela do que sozinho. Ela estava reclamando de alguma coisa quando ouvi um estouro abafado. Tudo ficou branco e eu acordei aqui, no chão.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >As vozes estão ficando mais claras, mas são tantas que não consigo entender o que estão dizendo. Só consigo entender os gritos de Renata “Acorda! Acorda!” ela olha para os lados e grita “Chama uma ambulância caralho!” e depois chora. Aconteceu alguma coisa séria comigo.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Agora consigo sentir meus braços - apenas os braços - estão queimando no asfalto quente, mas não consigo movê-los. Estou começando a sentir uma dor terrível nas costas. Acho que é nas costas, não consigo saber exatamente onde é. Mas está doendo e ardendo muito agora. Meu braços estão ficando molhados. Consigo mover a cabeça um pouco para o lado e olhar de esguelha. Uma poça de sangue está se formando embaixo de mim. Agora estou sentindo uma dor mais forte. Por dentro, uma dor que vai das costas até a costela.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Meu Deus do céu, o que está acontecendo? Quero gritar e perguntar, mas não consigo mexer a boca. Todos estão parados, me olhando. Saiam daqui! Vão buscar ajuda! Filhos da puta! Alguma coisa terrível aconteceu comigo e vocês estão aí, parados! ISSO NÃO É UM SHOW!! ME AJUDEM!!</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Meu Deus, me ajude... preciso de ar...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >O calor agora está ficando insuportável, a Renata não está mais do meu lado, mas a escuto gritando com alguém, não entendo o que ela está falando...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Deve ter sido um tiro - só pode ser - uma bala perdida ou coisa assim.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Estou me sentindo pior agora... Uma sensação estranha... Fraqueza terrível, vontade de dormir...</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Ah! Lembro quando eu saia com meu pai, eu era criança, passávamos por essa avenida e eu queria todos os bonecos de todos os heróis possíveis. Eles ficavam na vitrine das lojas e eu queria todos. Mas ele nunca me dava nenhum. Eu o odiava por isso, mas depois compreendi que ele não tinha dinheiro. Pai, você está aqui? Faz tempo que não vejo você e a mãe. Desculpe, desculpe. Prometo que vou à casa de vocês quando sair daqui. Prometo, dessa vez vou mesmo.</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Renata me dá um tapa na cara. Grita pra eu ficar acordado, mas não agüento. Meu corpo está molhado e queimando no chão. Não consigo me mexer. As imagens estão ficando disformes de novo.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Algumas pessoas estão indo embora e outras estão aparecendo. Não sei se são homens ou mulheres, não sei o que elas querem. Algumas delas falam com Renata e tentam falar comigo, mas não consigo fazer nada. Estou cansado, vão embora...</span></span><br /><br /></div><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Eu, Thiago e Tatiana éramos as únicas crianças da rua. Nossos pais não nos deixavam sair com medo dos carros e dos traficantes de órgãos. Sempre diziam que iam nos raptar para vender nossos órgãos. Mas mesmo assim, era tão legal, nunca mais falei com eles Thiago e Tatiana. Como será que eles estão? Onde será que eles estão...</span></span><br /><div style="text-align: justify;"><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Renata me dá outro tapa, ela está desesperada. Renata, como eu te amo, e só brigamos. Talvez não sejamos um casal ideal. Provavelmente deveríamos estar com outras pessoas, ou sozinhos. Mas passei tantos momentos bons com você. Você me ajudou a ser o que sou e, no entanto, brigamos sempre. Mas agora, essas lágrimas mostram que você gosta de mim, pelo menos um pouco. Gostaria de retribuir. Juro que gostaria, mas não consigo. Não consigo falar nada. Brigamos tanto. Nunca falei o quanto você foi importante pra mim. Queria falar agora, mas não consigo, não consigo...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Meu Deus, por que isso aconteceu?</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Deus?</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Acho que ele não me ouve, ou não quer ouvir. Ou simplesmente, não está.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Renata continua me balançando. Estou ouvindo os gritos dela, mas estão muitos distantes...</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Lembro da época de escola, eu odiava, mas passei tantos momentos bons lá, o que será que aconteceram com aquelas pessoas? Sinto saudades agora.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Letícia, você foi a primeira garota que eu beijei, foi tão engraçado, e tão bom...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Você era uma boa amiga, mas um dia se mudou e não nos falamos mais. Queria saber como você está.</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Renata continua gritando. Ouço sirenes agora, finalmente. Mas acho que é tarde. Perdão, eu não queria fazer você sofrer. Eu sei que já fiz antes, mas eu te amo, eu juro. Queria poder dizer isso pra você agora. Pra você e pra todos que fizeram parte da minha vida, mas é tarde demais...</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Aqueles dias no bar com o pessoal eram tão legais, só falávamos besteira, todos eram amigos ali, naquele momento. Apenas naquele momento, mas eram amigos.</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Acho que estou piorando.</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >A sirene está ficando mais alta, mas agora é tarde. Tarde demais. Me arrependo tanto agora... tantas coisas que deixei de fazer, de dizer...</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Renata, queria poder abraçar você, beijar você, dizer que te amei. Dizer adeus.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Está tudo ficando cada vez mais disforme, não sinto meu corpo. Perdoe-me, por favor, perdoe. Não vou poder atender ao pedido de seus gritos. Ainda consigo escutá-los. Eles estão ficando cada vez mais distantes.</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-size:100%;" ><span style="font-weight: bold;font-family:verdana;" >“Não vá embora, não vá!”</span></span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Eu sei que você vai sofrer. Algumas pessoas vão. Mas todos vão se acostumar. Sempre se acostumam. Logo serei uma lembrança distante, como um sonho. É assim que minha vida aparece pra mim agora. Um sonho distante.</span></span><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >A vida de vocês será igual sem mim. Talvez melhor. Gostaria de ter feito mais. </span></span><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Poderia te feito tantas coisas por vocês. Por vocês e por mim, mas não fiz nada.</span></span> <span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Não fiz nada.</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Pai, mãe, eu ia visitar vocês. Eu juro. Letícia. Renata. Thiago. Tatiana. Perdão. Eu não fiz nada, nada... Agora é tarde demais...</span></span><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >Ainda escuto as sirenes. Ainda escuto...</span></span><br /><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="color: rgb(153, 153, 153);font-size:100%;" ><span style="font-weight: bold;font-family:verdana;" >“Não vá embora!! Não!”</span></span></span><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><span style="font-size:85%;"><span style="font-style: italic; color: rgb(153, 153, 153);font-family:verdana;" >tarde demais...</span></span></div>♦ Rafael Saleshttp://www.blogger.com/profile/03913288993802626432noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-45074469192622705762009-09-14T16:48:00.000-07:002009-09-26T08:19:35.294-07:00Confabulando com Marvin - pt.I<div align="justify"><em><span style="font-family:courier new;font-size:85%;"><span style="FONT-WEIGHT: bold; COLOR: rgb(102,102,102)">♥ Vitor Furioso</span><br /><br />"As baratas apareceram sobre a face da terra há aproximadamente 400 milhões de anos e são, sem dúvida, alguns dos insetos mais conhecidos e causadores de repulsa nos seres humanos desde os seus primórdios".<br /><br /><br /></span></em></div><div align="justify"><em><span style="font-family:Courier New;font-size:85%;"></span></em></div><div align="justify"><em></em></div><div align="justify"></div><div align="justify"><em></em></div><em></em><div align="justify"><strong>PARTE 01 - O ENCONTRO.<br /><br /><br /></strong>O que fazer em um domingo à noite? Poucas opções, quase nenhum amigo, muitas frustrações, nenhuma disposição. A única coisa que tenho em excesso na minha casa é cerveja, então o jeito é desfruta-la, e é isso que vou fazer.</div><div align="justify"><br />É incrível a quantidade de porcarias que a televisão produz, atrações desprezíveis e fúteis, que só fazem o povo admirar quem teve muita sorte na vida, e esquecer que amanhã estarão lá novamente, passando seus crachás e aguentando desaforos em troca de um salário de fome. Eu não me excluo deste grupo, mas a diferença é que, não fujo da realidade através da tela de uma televisão... para isso existe a cerveja, e falando nisso, vou beber mais uma.<br />Já estava na sexta lata de cerveja, morava sozinho, a música e a bebida me faziam companhia há anos, isso sem falar nas baratas, bichos nojentos.</div><div align="justify"><br />A casa estava bastante empoeirada naquele dia, fazia um mês que eu não a limpava, a mancha de vinho, que derrubei no piso de tacos na semana passada, ainda estava lá, dando um toque especial àquela decoração feita com móveis antigos, deformados, que recebi dos parentes. Ao invés de jogarem fora o que não iriam mais utilizar, me davam, e eu recebia de bom grado, se não achasse utilização para aquilo, eu mesmo descartava. Muitas vezes doava para o meu vizinho de frente, que pegava tudo o que é porcaria que deixavam em sua porta, o desgraçado fazia uma fogueira com tudo aquilo, como fez com aquela cama que quebrou aqui em casa, enquanto trepava com Tânia, a biscate pulava feito uma cabrita no cio, destruiu a minha cama favorita, mas valeu à pena, foi uma trepada maravilhosa em uma noite atípica em minha rotina. </div><div align="justify"><br />(Cacete! Derrubei a cerveja no chão!)</div><div align="justify"></div><div align="justify">Enquanto me dirigia à cozinha para pegar outra latinha, ouvi uma voz muito fina e estridente, resmungando. Parei por um momento, será que estava bêbado demais? Não! A voz estava lá, e agora conseguia entender o que dizia:</div><div align="justify"><br />- Porra, de novo esse pau d`agua me fez essa merda!</div><div align="justify">- CARALHO!</div><div align="justify">- Estou ensopado de cerveja agora!</div><div align="justify">- PUTAQUEPARIU! QUEM ESTÁ AÍ?! </div><div align="justify"><br />Aquela voz parecia que vinha de todos os lados da sala, e entrava em meus ouvidos de forma estridente, mas eu não conseguia identificar de onde ela vinha, achei que estava ouvindo coisas, e por um breve instante, até desisti de ir pegar outra lata de cerveja, mas me diriji até a geladeira e abri outra lata de Antárctica, afinal de contas, eu devia estar delirando.</div><div align="justify"><br />Todo trabalhador conhece os efeitos de uma noite de domingo. </div><div align="justify"><br />Voltei para a sala, deitei no sofá, já eram oito e meia da noite, acabou sendo inevitável pensar na cara das pessoas que iria encontrar amanhã pela manhã. O Moreira e aquele terno marrom, todo engomadinho e com cara de veado, tenho uma vontade enorme de xinga-lo, de falar em sua cara tudo o que acho daquele seu jeitinho politicamente correto de ser, mas... melhor pensar em Suzana e sua arrogância, a menina tem o rei na barriga, e não consigo entender o motivo, deve ser uma forma de camuflar sua frustração. A única coisa que aprecio nesta garota são seus seios maravilhosos, chego a sonhar com eles. É complicado, muito complicado ter de passar 9 horas por dia com pessoas assim desagradáveis, mas para não ficar sem sua moral (e suas cervejas), temos de aguentar. </div><div align="justify"><br />E então, aquela voz fina e estridente volta a surgir em meus ouvidos:</div><div align="justify">- Cara, hoje você está insuportável!<br />Que estranho, desta vez senti uma certa moleza nesta voz, como se estivesse embriagada...<br />- QUEM É, PORRA?!</div><div align="justify">- Quem você acha que é?! Quem mora aqui além de você?</div><div align="justify">- NINGUÉM! EU MORO SOZINHO, CACETA!</div><div align="justify"><br />Acho melhor mudar a marca da cerveja, que coisa estranha!<br /></div><div align="justify">Olhei a data de validade no fundo da lata, ainda estava dentro do prazo. Passei a andar em volta da mesinha de centro da sala, alguns tacos do piso estavam soltos, tropecei em um deles e fui ao chão. A lata voou no sofá, era a segunda cerveja que eu desperdiçava em menos de uma hora, porra!</div><div align="justify"><br />Resolvi permanecer deitado, na posição como caí, e então, dormir... engano.<br /></div><div align="justify">Bem em frente ao meu rosto, eu a vi alí parada, me encarando. Eu nunca havia visto uma dessas de tão perto. Era realmente um animal asqueroso, por um breve momento cheguei a lembrar da mãe de uma amiga minha, Dona Flora, definitivamente não conseguia dizer qual criatura era mais horrenda, Dona Flora, ou esta barata parada aqui, pertinho de meu nariz?!</div><div align="justify"><br />- Cara, você está horrível!<br />Cacete, era só o que me faltava, ter de ouvir isso de uma barata! BARATA?!<br />Levantei depressa, e não acreditava no que estava acontecendo, aquela voz estridente era de uma barata?!<br />- Cuidado! Vai acabar pisando em mim!<br />Acho melhor eu parar de ler esses livros de terror, estou vendo coisas!<br />- O que há com você hoje? Não estou te reconhecendo!</div><div align="justify">- Olha, não tive um final de semana muito bom, no final das contas, estou aqui é afogando as mágoas. (Minha nossa, estou conversando com uma barata!)<br />- Olha, se quiser conversar...</div><div align="justify">- Eu não vou ficar aqui levando isto a sério!</div><div align="justify">- Cara, você tem noção de que já inundou minha casa com bebidas alcóolicas 3 vezes nas últimas duas semanas?! E foi por isso que resolvi vir aqui falar contigo, acho que estou gostando disso.</div><div align="justify">- Gostando do quê?</div><div align="justify">- Das bebidas, cara! </div><div align="justify"><br />Ah não... é melhor eu ir dormir, uma barata bêbada era tudo o que me faltava!</div><div align="justify"><br />- Pô, cara! Não vá embora, eu existo mesmo, olha eu aqui na sua frente!<br />Não podia acreditar naquilo, amanhã deverá ser um dia muito melhor para mim, é melhor eu ir dormir.<br />Rodando de um lado para o outro na cama, não conseguia esquecer aquela situação. Me levantei e tomei um banho frio, o efeito do álcool diminuiu.<br />Não resisti, me dirigi novamente à sala, e chamei pela barata, não houve resposta, menos mal.</div><div align="justify">Ainda não convencido, me dirigi à cozinha novamente, abri uma lata de cerveja, tomei apenas um gole, o resto eu joguei no chão, no mesmo lugar de onde a barata havia saído anteriormente. O líquido escorria pelo vão existente entre um taco e outro do piso, alí claramente havia um buraco. Esperei alguns instantes, e nada da barata, definitivamente me convenci de que aquilo não havia passado de um sonho esquisito.<br />Joguei a lata de cerveja no lixo, e quando estava me dirigindo novamente à minha cama, aquela vozinha estridente entra como uma lâmina em meus ouvidos, dizendo:</div><div align="justify"><br />- SEU FILHO DA PUTA!</div>♥ Vitor Furiosohttp://www.blogger.com/profile/18257257170124117416noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-37939115844598732172009-09-11T17:23:00.000-07:002009-09-14T17:48:50.740-07:00Um domingo qualquer<div align="justify"><span style="font-family:Arial;"><p goog_docs_charindex="1" align="justify"><span goog_docs_charindex="2" style="color: rgb(102, 102, 102);font-family:Arial;font-size:85%;" >♠ Rodrigo Bersogli</span></p><p goog_docs_charindex="1" align="justify"><span goog_docs_charindex="2" style=";font-family:Arial;font-size:100px;" ></span></p><p goog_docs_charindex="1" align="justify"><span goog_docs_charindex="2" style="font-family:Arial;">A tarde estava abafada. Vozes indiferentes reverbavam pelo nefasto recinto, e o ar seco cada vez mais oprimia as gargantas. Ali, no fundo do bar, Juarez tentava não prestar atenção nem nas pessoas do balcão, nem na pequena televisão mal sintonizada que ficava disposta acima da prateleira de peculiares garrafas de aguardente com toda a sorte de pequenos animais peçonhentos dentro delas. Pobres animais. Pobre Juarez.</span> </p><p goog_docs_charindex="425" align="justify"><span goog_docs_charindex="426" style="font-family:Arial;">Oito cervejas haviam ido. Trinta e uma prestações estavam por vir. Que melhor maneira de prender um homem às rédeas do conformismo do que suaves prestações mensais em dinheiro, alento e obrigações?</span> </p><p goog_docs_charindex="628" align="justify"><span goog_docs_charindex="629" style="font-family:Arial;">Era domingo, dia em que habitualmente Juarez comia frango. Mas não naquele. Não, dessa vez ele mal podia pensar em comida. O desânimo que havia se instaurado em sua alma o destituiu de qualquer desejo gastronômico. Desde a véspera, apenas copos e cigarros tocavam seus lábios. Desde a véspera, quando havia saído do trabalho de vigia num antigo prédio na <span style="font-family:'Arial';">P</span><span style="font-family:'Arial';">raça da República. Ao entregar o posto para o colega que o substituiria no período noturno, Juarez caminhou para o seu apartamento alugado, na </span><span style="font-family:'Arial';">R</span><span style="font-family:'Arial';">ua Aurora, de cabeça baixa</span><span style="font-family:'Arial';"> e mãos nos bolsos da puída calça social azul marinho. Entregou o turno. Aos poucos, estava entregando também os pontos.</span></span></p><p goog_docs_charindex="1280" align="justify"><span goog_docs_charindex="1281" style="font-family:Arial;">O ruído da televisão mal sintonizada estava aumentando. Juarez desviou seu olhar para o aparelho e viu que começaria o futebol. Havia uma mulher gorda, morena, de cabelo crespo e curto sentada no balcão. Usava short de cotton azul, lábios fortemente pintados de um vermelho vivo e aparentava ter passado dos cinqüenta. Ria desenfreadamente enquanto um homem da mesma faixa etária, trajando uma surrada camisa social branca e barba de três dias por fazer enchia-lhe o copo repetidas vezes. Sem saber qual dos dois espetáculos comuns era mais grotesco, Juarez voltou a trabalhar em sua garrafa.</span> </p><p goog_docs_charindex="1878" align="justify"><span goog_docs_charindex="1879" style="font-family:Arial;">Qual caminho havia trilhado para chegar até ali? Onde tinha errado? Teria sido aos 16, quando deixou o interior do Paraná para trabalhar com o tio em São Paulo? Ou teria sido aos 26, quando percebeu que não adiantava o quanto trabalhasse, sempre estaria com a corda no pescoço? Onde havia se perdido? Bem, agora não importava mais. Estava ali, e não havia saída.</span> </p><p goog_docs_charindex="2246" align="justify"><span goog_docs_charindex="2247" style="font-family:Arial;">Sentia algo oprimindo seu coração. Não, não era saudade. Ele deixara de sentir saudades há muito tempo, desde que os pais morreram após trabalharem a vida toda na lavoura de café. Dos três irmãos não tinha notícias. Só sabia que, assim como ele, haviam ido para cidades maiores, tentando a sorte. O que ele sentia, de fato, era o vazio. Um vazio voraz, eterno, capaz de devorar cada célula da vitalidade que ainda lhe restara.</span> </p><p goog_docs_charindex="2678" align="justify"><span goog_docs_charindex="2679" style="font-family:Arial;">Um vazio que o consumia incessantemente, apesar de não saber explicá-lo. Só era capaz de senti-lo. E sentia-o, com muita freqüência.</span> </p><p goog_docs_charindex="2816" align="justify"><span goog_docs_charindex="2817" style="font-family:Arial;">O futebol concorria com as garrafas entre as preferências no bar. Era incrível como todos ali eram falidos, sendo que julgavam conhecer mais de tática, técnica e histórico dos jogadores em campo do que os próprios narradores e comentaristas da TV. A turba gritava ensandecida a cada lance, e Juarez achou fantástico o fato de nenhum deles estar lá, jogando ou comentando profissionalmente.</span> </p><p goog_docs_charindex="3211" align="justify"><span goog_docs_charindex="3212" style="font-family:Arial;">Decididamente, ele nunca fora fã de futebol. Assistia por um único propósito: Ter assunto com os outros vigias, clientes e transeuntes do prédio onde trabalhava. Nutria certa simpatia pelo Santos, mas não se emocionava com o jogo. Dessa vez, porém, não fez questão de acompanhar a peleja. Pare ele, de fato, pouco importava. E cada vez mais, importava menos. Não se fez de rogado: Tomou o último gole, entregou duas notas de dez e uma de cinco ao maranhense que atendia no balcão e dirigiu-se à rua.</span> </p><p goog_docs_charindex="3716" align="justify"><span goog_docs_charindex="3717" style="font-family:Arial;">A tarde já estava sendo extirpada pelo início da noite. Na rua, grupos de jovens homossexuais passavam por ele com a mesma freqüência que mendigos e adolescentes com roupas e cabelos que mais pareciam ter saído de uma mistura de filmes de ficção científica e algum anúncio de revista de vinte anos atrás. Rapazes de corpos musculosos faziam ponto nas esquinas, atrás de velhos ricos, tarados e decrépitos que abundavam na região. No coração de São Paulo, Juarez sentiu-se como se estivesse no zoológico, na zona sul da cidade.</span> </p><p goog_docs_charindex="4248" align="justify"><span goog_docs_charindex="4249" style="font-family:Arial;">No caminho para seu pequeno apartamento, cruzou um misto de boate e teatro erótico que ficava em sua rota habitual. Na porta, anúncios de garotas famosas no circuito do lixo paulistano exibiam seus corpos e prometiam prazeres dantescos. Era abril, e as fotos das garotas trajando fantasias de coelhinhas contrastavam com o cheiro insalubre do local. Sem problemas, ele já havia se acostumado. Dividia o andar em que residia com diversas mulheres que trabalhavam nas imediações, e com certa freqüência transitava em tais infeninhos. E isso só fazia aumentar o vazio que já era tão opressor.</span> </p><p goog_docs_charindex="4841" align="justify"><span goog_docs_charindex="4842" style="font-family:Arial;">Ao chegar à portaria do antigo prédio em que morava, direcionou um furtivo olhar para a mal estruturada academia que ficava no térreo, bem ao lado da portaria. Estava fechada. Ainda bem, pois ele já havia se embriagado da fauna humana que cambaleava e se arrastava na região. Ponto para ele.</span> </p><p goog_docs_charindex="5138" align="justify"><span goog_docs_charindex="5139" style="font-family:Arial;">Como de costume, entrou no elevador e pressionou quase que automaticamente o botão onde se lia 13º. Um homem magro entrou logo em seguida, apertando o 8º. Suas feições, tão deprimentes e degeneradas, Juarez já conhecia: Era usuário de crack e já havia vendido quase toda a mobília e eletrodomésticos para alimentar o vício. Juarez até havia adquirido um liquidificador do odioso personagem por míseros cinco reais, durante uma de suas crises de abstinência. Tudo bem, era o preço a ser pago.</span> </p><p goog_docs_charindex="5635" align="justify"><span goog_docs_charindex="5636" style="font-family:Arial;">13º andar. O elevador fazia um incômodo ruído e sacolejava ao abrir as portas. Juarez saiu e, lentamente, dirigiu-se para o lado do seu apartamento. O cheiro ocre dos corredores mal iluminados, de uma tonalidade amarelada, pálida e melancólica o fazia cada vez mais sentir vontade de nunca mais voltar ali. Mas ele sempre voltava. Noite após noite. Era como um tributo que havia a ser pago pela sua própria sanidade ao caminho que escolhera trilhar. Escolhera?</span> </p><p goog_docs_charindex="6101" align="justify"><span goog_docs_charindex="6102" style="font-family:Arial;">O apartamento era pequeno. Logo na entrada, à direita, um banheiro com uma antiga banheira de cimento constituía o único luxo. Em frente, um reduzido tanque que fazia as vezes de pia. No mais, era um quarto rústico, bege, alto e com paredes mofadas. Era como se houvesse salitre ali. Não havia cozinha. Tampouco felicidade.</span> </p><p goog_docs_charindex="6430" align="justify"><span goog_docs_charindex="6431" style="font-family:Arial;">No quarto, além de uma cama de solteiro feita em madeira, havia um guarda-roupa uma cômoda, uma cadeira, uma pequena estante de arames, uma televisão e um aparelho de DVDs. Tudo cortesia das trinta e uma prestações restantes. Antes de pagar a última, Juarez teria de trocar tudo e fazer novas prestações. Ele sabia. Já tinha passado por isso antes.</span> </p><p goog_docs_charindex="6784" align="justify"><span goog_docs_charindex="6785" style="font-family:Arial;">Roupas com bastante uso estavam espalhadas desajeitadamente sobre a cadeira. O cinzeiro estava cheio e havia meia garrafa de conhaque sobre a escrivaninha. A única coisa em ordem era o uniforme de trabalho, que Juarez dispunha cuidadosamente em um cabide pendurado na porta do guarda-roupa. Aquela era sua armadura, seu campo de força na batalha diária. Mas agora, mais do que nunca, ele se perguntava: Que batalha? Contra quem? E, o pior: Qual a diferença entre vencer e perder?</span> </p><p goog_docs_charindex="7269" align="justify"><span goog_docs_charindex="7270" style="font-family:Arial;">Sentou-se na cama, acendeu um cigarro e serviu-se de uma dose de conhaque. Evitava beber aos domingos à noite, mas agora ele realmente precisava daquela dose. Sentia que, naquele momento, a dose do conhaque era mais importante do que um bom descanso para desempenhar bem suas funções profissionais do dia seguinte. Vícios, virtudes e valores. De qual deles você prefere se embriagar hoje?</span> </p><p goog_docs_charindex="7663" align="justify"><span goog_docs_charindex="7664" style="font-family:Arial;">Pegou o controle remoto e ligou a televisão. A sintonia não era perfeita, mas conseguiu ver quase que nitidamente o apresentador do programa de variedades dominical. Era o típico sujeito que ele não gostaria de ser. Rosado, afável, com jeito de ser o animador das reuniões familiares. Provavelmente tinha fazendas e abusava de garotinhas de quatorze anos, pensou Juarez. Não conseguiu assistir o programa por dois minutos inteiros, trocando para o canal seguinte. Um pastor usando paletó e gravata bradava a uma platéia hipnotizada que apenas Deus era a solução, e que a palavra Dele os livraria de qualquer mal. Façam a vontade Dele e vocês prosperarão, com saúde e fortuna. Mas pera lá, o céu não era o reino dos pobres? Não era mais fácil um camelo entrar num buraco de agulha, ou algo assim, do que um rico entrar no reino dos céus? Além do mais, se Deus tinha uma vontade, é porque ele tinha uma opinião. E se tinha uma opinião é porque era a favor de alguma coisa em detrimento à outra coisa. Se era parcial, não podia ser justo. Se fosse justo, Juarez não estaria ali. Exatamente por não compreender, mudou novamente de canal, antes de aceitar aquilo pelo mesmo motivo. </span> </p><p goog_docs_charindex="8846" align="justify"><span goog_docs_charindex="8847" style="font-family:Arial;">Outro canal. Esportes. Velhos carcomidos discutiam histericamente a rodada do futebol. Pareciam rançosos e feitos de cera, e tentavam a todo o momento brigar com as imagens reprisadas dos jogos. Era como um teatro de bonecos, mas com propagandas comerciais a cada dez segundos.</span> </p><p goog_docs_charindex="9129" align="justify"><span goog_docs_charindex="9130" style="font-family:Arial;">Era demais para Juarez. Um sentimento de sufocamento seco entorpeceu sua garganta, e ele já estava no terceiro cigarro e quarto conhaque. Nada daquilo fazia sentido. Para quê acordaria no dia seguinte? Para passar mais um dia, mais uma semana, um mês ou ano sem mesmo saber o motivo de estar ali? Para continuar alimentando uma esperança que ele nem mesmo possuía? Não fazia sentido. Nada fazia.</span> </p><p goog_docs_charindex="9531" align="justify"><span goog_docs_charindex="9532" style="font-family:Arial;">Emborcou todo o conhaque de uma vez. O líquido desceu quente, fazendo-o suar. Tragava seu cigarro nervosamente, e suas mãos trêmulas foram levadas ao rosto. Nenhuma lágrima. Nenhuma emoção. Abriu a janela e encarou a enegrecida e encardida metrópole. Luzes oscilavam na noite paulistana, e cada luz representava uma vida, uma história. Juarez apagou a luz de seu quarto. Não possuía uma vida e nem mesmo uma história para ser representado por aquela luz. Não tinha direito. Talvez as outras pessoas também não tivessem, o que era mais provável. Mas ele não queria mais fingir. Não queria mais a luz, que na verdade nunca havia o iluminado de fato. Não da forma que ele precisava.</span> </p><p goog_docs_charindex="10216" align="justify"><span goog_docs_charindex="10217" style="font-family:Arial;">A brisa suave que penetrou pela janela atingiu seu rosto como um soco. Transpirava muito e seu coração batia acelerado. Sabia o que tinha de fazer. E queria muito fazer aquilo. Faltava-lhe coragem. Faltava? Coragem era continuar com aquilo, naquela falta de senso e perspectiva. Coragem era preciso para agüentar olhar-se no espelho e não entender o que via. Por isso Juarez evitava seu reflexo. Porque apenas fingia ser corajoso. Na para os outros, mas para si próprio. Viveu fingindo. Mas precisava botar um ponto final naquilo.</span> </p><p goog_docs_charindex="10752" align="justify"><span goog_docs_charindex="10753" style="font-family:Arial;">Quando subiu no batente da janela, Juarez sentiu-se um deus. Sentiu que podia livrar-se de toda aquela falta de sentido de uma maneira mais rápida e, sem dúvidas, definitiva. A cidade piscava a sua frente com seus semáforos, prédios, carros, ladrões, apresentadores de TV, bêbados, prostitutas, travestis, padres, jogadores de futebol... Não queria mais participar daquele jogo. E não via outra maneira de sair dele.</span> </p><p goog_docs_charindex="11174" align="justify"><span goog_docs_charindex="11175" style="font-family:Arial;">Sentiu o vento frio ao seu redor quando se deixou cair para frente, em direção às luzes mentirosas que iluminavam vidas de mentira. Ao contrário do que imaginou, não havia nenhum sentimento de liberdade durante a queda. Apenas o sentimento de alívio, de livrar-se de tudo aquilo. Por um breve momento, ele sorriu.</span></p> </span></div>♠ Rodrigo Bersoglihttp://www.blogger.com/profile/09730173782172326076noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-6983311897819276494.post-57959456192553858012009-09-11T08:24:00.000-07:002009-09-11T20:51:02.594-07:00Introdução<p><span style="font-size:85%;"><span style="font-family:verdana;"><span style="color: rgb(192, 192, 192);"><span style="color: rgb(153, 153, 153);"></span><br /></span></span><span style="font-family:verdana;"><span style="color: rgb(192, 192, 192);"><span style="font-size:78%;"><br /><span style="color: rgb(51, 51, 51);">This words I write keep me from total madness.<br />Charles Bukowski.</span></span><span style="color: rgb(51, 51, 51);"> </span><br /><br /></span><span style="color: rgb(153, 153, 153);">Centro da cidade. Fim de tarde. Carros e ônibus passam sem parar. Pessoas voltando pra casa do trabalho e outras saindo de casa, para o trabalho. Um ciclo vicioso e doentio. Pessoas que perdem sua vida e sua mente aos poucos, sem saberem. Pessoas com esperanças vazias e distantes. Esperanças mortas.<br />Ao redor desse ritual incessante e impiedoso, bares e botecos de toda espécie se transformam em verdadeiros refúgios. Um espaço para se entorpecer e esquecer um pouco a realidade decadente que nos cerca e que fazemos parte. A realidade decadente que ajudamos a construir.<br />Em um desses esconderijos, quatro rapazes discutem sobre os mais variados assuntos, porém com alguma consciência do terror que os cerca.<br />Entre muitas cervejas e muitas idéias, surge esta que se apresenta. Um blog onde essas quatro mentes vão despejar suas idéias e seus sentimentos. Um grito ao mundo, para quem quiser ouvir.<br />Aproveite, com certeza não será (mais uma) perda de tempo.</span></span></span></p><p><span style="color: rgb(192, 192, 192);font-family:Verdana;font-size:85%;" ></span></p><p><span style="color: rgb(192, 192, 192);font-family:Verdana;font-size:85%;" ></span></p><p></p>Unknownnoreply@blogger.com3