terça-feira, 3 de novembro de 2009

Passeio


♦ Rafael S.M.F.

Desci a Oscar Freire de cabeça baixa, mas ainda conseguia ver algumas pessoas por lá me lançando aquele olhar de desdém. Provavelmente não gostaram da minha roupa velha e amassada, estavam acostumadas apenas a se arrumar com peças que custavam mais do que eu consigo gastar em um ano.
Segui em frente e parei no primeiro bar que encontrei, pedi uma cerveja pra tentar descansar um pouco Estava tudo bem até aparecer um garoto de boina e com uma jaqueta de couro bem velha, consegui observar um grande ‘A’ costurado em sua manga. Merda, mais um moleque metido a revoltado querendo arrumar o que fazer.
Mas será que eu também não sou?

“ E ae mano, você curte o que ?” – Ele me perguntou.

Por algum motivo chamei atenção atenção dele. Não sei porque, nunca fui do tipo que usa roupas cheias de simbolismos ideológicos, nunca tive muita opção. Acho que se você tem uma opinião, deve simplesmente dizer, não usar um desenho que só o seu grupinho entende para demonstrar isso. Ignorei e continuei bebendo.
Cutucou meu ombro e perguntou mais alto.

“Hein mano, CÊ CURTE O QUÊ?”

Se não tivesse um tom tão arrogante, talvez tivesse conversado com ele. Dei a ultima golada do copo, paguei o atendente e respondi.

“Curto cerveja”

Me virei e fui embora, ele não me seguiu, provavelmente devia ser mais interessante incomodar outra pessoa. Virei a esquina e comprei uma lata de cerveja em outro bar,
com o que restava do meu dinheiro. Assim que saí me deparei com um ser enorme , todo colorido.

“E ae gatão, vamos dar uma volta ?”

Travestis são comuns por ali naquela hora da noite. Desviei sem olhar e ignorei.
Virei e saí em uma rua que eu não conhecia, haviam vários restaurantes caros por lá. As pessoas que andavam por ali não me olhavam com desdém, simplesmente não olhavam. Me senti invisível, mas isso não era ruim...
Continuei andando e me deparei com um mendigo muito velho. Estava mexendo nos lixos amontoados ao lado dos restaurante e me olhou nos olhos quando passei por ele. Me senti estranho, percebi que raramente me olhavam direto nos olhos. Parecia que eu conseguia ver a dor na alma daquele homem, olhando nos olhos dele.
Ou talvez fosse na minha alma, não sei.
Passei direto. Alguns garotos de rua começaram a aparecer, a maioria devia ter menos de 12 anos. Estavam completamente chapados, cada um com um saquinho plástico cheio de cola.

“Me arruma um real tio?”
“Não tenho...”

Não ia dar dinheiro para eles comprarem mais cola, ou sei lá o que eles usavam além disso. Bem, eu estava com uma lata de cerveja e isso não me faz muito melhor que eles, mas se eu fosse gastar meu dinheiro com drogas, que fosse pra mim mesmo.
Não é bom ser egoísta quando se trata de se matar?
Continuei andando e cheguei no metrô. Pior hora do dia. Dezenas de rostos vazios, tristes, ostentando suas vidas mutiladas. Todos odiando profundamente o fato de estar ali dentro, eu me incluía em tudo isso, obviamente. Todas aquelas pessoas amontoadas, desperdiçando suas vidas em empregos que odeiam, presas no ciclo “dívida – trabalho – salário”, uma vez preso a isso, você é o escravo perfeito, e nem percebe.
Descendo daquele metrô ainda tinha que pegar um ônibus, a mesma história. Todos pareciam bois indo para o abate, ou depois do abate, talvez.
Desci do ônibus e fui pra casa, finalmente, ninguém pra me olhar ou julgar, ninguém para EU olhar e julgar, humanos são mesmo uma desgraça, e eu faço parte disso.
Ficar afastado de todos causa uma falsa sensação de conforto, por um momento posso me sentir fora desse ciclo hediondo que se passa lá fora. Fiquei deitado na cama olhando teto, pensando na minha vida.
Estava sozinho, apenas com meus pensamentos e minhas lembranças e, no entanto,
não gostei do que vi.

Um comentário:

  1. li pela segunda vez
    acho que nao esta ruim
    senti sinceridade
    sei que é dificil ser sincero
    me indentifiquei tambem

    continue escrevendo
    continue escrevendo

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